O último dia do Abrascão 2018 recebeu três convidados da área do direito, de saúde coletiva e de agência reguladora para debater o tema Disputas e conflitos entre poderes da República: o caso do medicamento, na Sala de Leitura, da Biblioteca do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/ Fiocruz). Com o intermédio da coordenadora Vera Lucia Edais Pepe (ENSP/ Fiocruz), os palestrantes, através de pontos de vistas diferentes, abordaram as relações entre o judiciário, legislativo e o executivo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a sociedade e algumas situações polêmicas sobre medicamentos.
Geraldo Lucchese, doutor em Saúde Pública, iniciou a mesa redonda citando alguns casos polêmicos, como o do Canabidiol, que a partir de 2015, a Anvisa retirou da lista de substância proibida e remanejou-o para a lista de Controle Especial, e o da Fosfoetanolamina, que foi proibida, após os testes comprovarem não ter efeito qualquer contra o Câncer. Para Lucchese, é um desrespeito à autonomia e à luta pela vida dos pacientes. “O marco regulatório de medicamentos se apoia em determinada visão, das revistas científicas, e acredito que ele seja o grande determinante da situação atual dos medicamentos no mundo. É um sistema imponente de medicamentos, que precisa de reformas radicais. Nos Estados Unidos, existe a lei Right to try (direito de tentar), que aceita que os medicamentos possam ser utilizados, após a fase um (de toxicidade), desde que o indivíduo tenha consciência do que está fazendo. A vida precisa de exceções”, ressaltou.
O Vice-coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e Pós-Doutor em Direito Público, Fernando Aith, alertou sobre as decisões tomadas pelos poderes em relação à saúde pública. “Quando se vê forças políticas derrubando boas decisões de saúde pública, por questões não técnicas, mas simplesmente políticas, temos que ficar atentos. E, de outro lado, temos que resgatar as decisões técnicas, democraticamente, para que elas sejam legitimadas pela sociedade”, frisou Aith. Ele ainda refletiu sobre as sociedades mais avançadas, as quais, raramente, o judiciário invade a esfera de competência do executivo e que no Brasil, isso se perdeu, principalmente, nos últimos dez anos.
Aith lembrou ainda a relevância da universalidade. “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu que o SUS só precisa disponibilizar medicamento de alto custo para pessoas que provem a incapacidade financeira. Esta decisão vai de encontro a própria lógica de universalidade da saúde. Um juiz decide o que quer e cria regras paralelas, ignorando a própria lei”, relatou.
Pedro Ivo Ramalho, Adjunto do Diretor-Presidente da Anvisa e doutor em Ciências Sociais, apresentou o olhar da agência reguladora, explicando a relação entre a Anvisa e os poderes legislativo e judiciário. Ramalho lembrou de alguns decretos legislativos, que sustaram as determinações da Anvisa, e estudos de casos, como o da sibutramina e da fosfoetanolamina, apresentando as linhas do tempo de todo o processo.
Ramalho salientou o conflito entre o trabalho de regulamentação técnica da Anvisa e o processo legislativo do Congresso Nacional. “Quando se perde a discussão na Anvisa, as forças vão para o Congresso para organizar algum capital político e reverter determinadas decisões. Os temas são polarizados e polêmicos, com conflitos de interesses e capital, que vão chegar ao legislativo e judiciário”, evidenciou.
Além disso, Ramalho refletiu sobre o Ambiente institucional para a regulamentação sanitária no Brasil, envolvendo a Anvisa, o mercado e a sociedade civil. “A Agência regulamentadora interage com os atores no cotidiano (empresas, consumidores, grupos de interesse) e atualmente, existem outros atores, como o Congresso, legislativo, Ministério Público, Judiciário, Tribunal de Contas da União e Suprema Corte. A realidade se tornou mais complexa e imprevisível”, concluiu.