Autor: Alexandre Matos (Página 35 de 38)

Vacinas e novos tratamentos são esperança contra vírus zika

Especialistas debateram o desenvolvimento de vacinas e testes de um medicamento, já utilizado no tratamento de Alzhemeir

Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

Um medicamento já utilizado no tratamento de Alzhemeir apresentou efeito protetor para os neurônios na infecção pelo vírus zika durante estudos com camundongos. O trabalho foi apresentado nesta quarta-feira, 09/11, no evento Zika, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os esforços para acelerar o desenvolvimento de vacinas, com a realização da primeira fase de testes em pacientes em 2016 e a previsão de início da segunda fase em janeiro de 2017, também foram detalhados no evento, ao lado de estratégias promissoras para desenvolver fármacos antivirais. O evento inclui os simpósios The zika menace in Americas: challenges and perspectives e One year after the announcement of the national public health emergency in Brazil: lessons, achievements and challenges.

Proteção para os neurônios – Os resultados promissores sobre medicamentos e vacinas foram apresentados durante a seção Epidemia de zika: abordagens terapêuticas e profiláticas, mediada pelo pesquisador Wilson Savino, diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos organizadores do evento. De acordo com Mauro Martins Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o desenvolvimento de um tratamento que possa ser administrado a gestantes para prevenir os danos provocados pelo vírus zika nos fetos é extremamente difícil. Porém, o fármaco memantina, testado durante a pesquisa coordenada por ele, tem características positivas para essa aplicação.

“A maior dificuldade na busca de uma terapia para gestantes é a segurança. A memantina é considerada um fármaco de classe de segurança B, segundo o FDA [Food and Drug Administration, agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos]. Isso significa que não houve testes em gestantes, mas, devido ao número de pacientes grávidas que já utilizaram o medicamento e não apresentaram problemas, ele é provavelmente seguro para uso na gestação”, explica o imunologista.

Segundo Mauro, a decisão de testar a memantina para prevenir danos causados pelo vírus zika partiu do conhecimento sobre suas características de segurança e sobre o seu mecanismo de ação. O fármaco atua no cérebro inibindo a ação do neurotransmissor glutamato, uma molécula com papel de sinalização entre células, capaz de ativar os neurônios. “Em muitas doenças cerebrais ocorre um fenômeno chamado de excitotoxicidade: a liberação excessiva de glutamato ativa demais os neurônios e provoca a morte dessas células. Utilizamos o glutamato com o objetivo de bloquear o excesso de ativação neuronal. O resultado foi impressionante, impedindo a morte dos neurônios provocada pelo vírus zika”, afirma Mauro em relação aos estudos realizados com camundongos.

Uma vez que a memantina não tem ação direta sobre o vírus zika, o pesquisador acredita que um futuro tratamento deverá ser combinado com um fármaco antiviral, capaz de combater o patógeno. Dessa forma, seria possível proteger os neurônios do feto e impedir uma infecção prolongada, que eventualmente resultaria em lesões. “O desenvolvimento de terapias tem um horizonte de longo prazo. No futuro, esperamos ter uma vacina para prevenir a doença. Mas, mesmo assim, será interessante termos um tratamento disponível, que possa ser administrado caso a infecção seja diagnosticada em gestantes, reduzindo o risco de danos aos bebês”, diz o imunologista.

Busca de vacinas em ritmo acelerado – Menos de um ano após a declaração da situação de emergência nacional de saúde pública relacionada à microcefalia no Brasil, pelo menos três vacinas contra o vírus zika já chegaram à fase de ensaios em pacientes. Um dos imunizantes, que começou a ser testado em voluntários em agosto, é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niad, na sigla em inglês).

A iniciativa conta com a participação de uma brasileira: a engenheira química Leda Castilho, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ela, a expectativa é de que a primeira fase de testes seja concluída até o fim do ano e que a segunda etapa comece em janeiro de 2017 ou, até mesmo, de forma antecipada, em dezembro de 2016. “Nos ensaios de fase um, a vacina está sendo aplicada em 80 voluntários nos Estados Unidos, com o objetivo de avaliar a sua segurança e a sua capacidade de estimular a produção de anticorpos. Já na fase dois serão envolvidos cerca de quatro mil voluntários em diversos países, incluindo o Brasil”, afirma Leda.

Segundo a pesquisadora, a rapidez com que a vacina foi desenvolvida é resultado de um esforço concentrado, que começou no final de 2015. A tecnologia utilizada no projeto é chamada de ‘vacina de DNA’. Esse método é baseado em sequências genéticas que são introduzidas na vacina e orientam a produção de proteínas virais pelo paciente. Assim, o sistema imunológico é ativado, promovendo a geração dos anticorpos que protegem contra a doença. “Os cientistas do Niad já tinham trabalhado em uma vacina de DNA para o vírus da febre do oeste do Nilo, que, assim como o zika, pertence à família dos flavivírus. Utilizando essa plataforma, as primeiras construções do imunizante para zika foram sintetizadas em janeiro de 2016. Em abril, foi iniciada a etapa de estudos em modelos animais. Entre 18 macacos vacinados, 17 ficaram protegidos após receber duas doses da vacina”, relata Leda.

A atuação do órgão regulador americando FDA foi destaca como fundamental para acelerar o desenvolvimento do imunizante. A autorização para a primeira fase de ensaios clínicos foi concedida em apenas dez dias. De acordo com Leda, foi possível acelerar a tramitação porque um procedimento de pré-autorização foi iniciado ainda em fevereiro. “Essa é uma lição, porque a capacidade técnica do órgão regulador foi muito importante nesse projeto”, destaca.

Antivirais no foco das investigações – Um medicamento capaz de impedir a replicação do zika, interrompendo a evolução da doença, é outra alternativa buscada por cientistas para frear o vírus. Coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Glaucius Oliva considera que compreender a estrutura do vírus zika pode ser um caminho para encontrar moléculas capazes de inativá-lo. “Esse vírus tem apenas dez genes codificantes no seu material genético. É incrível como uma estrutura tão simples pode causar uma doença com apresentações tão variadas. Mas essa estrutura simples também pode ser uma vantagem na busca por antivirais”, pondera o cientista.

Partindo das informações do genoma do vírus, os pesquisadores do CIBFar utilizaram técnicas de modelagem digital para fazer previsões sobre a estrutura das proteínas que compõem o patógeno. A partir dos dez genes, eles chegaram a 16 construções, incluindo proteínas completas e domínios que podem ser alvos para inativação. A etapa seguinte do projeto envolveu técnicas de engenharia genética: os genes do Zika foram clonados e inseridos em bactérias, uma técnica frequentemente utilizada em pesquisas. Dessa forma, as bactérias passaram a produzir proteínas virais, que podem, então, ser purificadas e analisadas.

Em uma etapa da pesquisa concluída há apenas três semanas, os cientistas conseguiram avaliar com precisão a estrutura de uma proteína essencial para a multiplicação do vírus zika, chamada de RNA polimerase. Presente no processo de replicação viral, essa enzima é responsável por produzir as cópias do material genético do patógeno. Entre outras características, o estudo revelou que o formato da RNA polimerase do zika é bastante diferente do formato da enzima RNA polimerase do vírus da dengue, o que torna necessário um antiviral específico. “Existem medicamentos em desenvolvimento para a dengue, mas eles não são capazes de atuar sobre o zika. Estamos trabalhando ativamente na busca de moléculas adequadas para inativar o vírus”, destaca Glaucius.

 

Palestra discute uso medicinal da maconha

Fiocruz cria grupo de trabalho para apoiar iniciativas voltadas para estimular pesquisas com cannabis para fins medicinais


Daqui a um mês (3/12), a pequena Sofia completará oito anos de idade. Desde que nasceu, ela sofre com constantes crises de convulsão, sendo que, nos últimos anos, diminuíram drasticamente graças ao uso de um elemento extraído de uma planta: o canabidiol. Apesar dessa ótima resposta dada pela natureza, que trouxe alívio para a menina, a comemoração não pode ser completa porque a planta, da qual a substância foi isolada, é a maconha, erva incluída na lista de drogas ilegais no Brasil.  Com o objetivo de debater este importante tema para pacientes, classe médica e comunidade científica, o Centro de Estudos de Farmanguinhos trouxe para discussão o Uso medicinal da cannabis, palestra proferida pela advogada Margarete Brito, a mãe da Sofia, e por Eduardo Faveret, o médico da menina.

Margarete Brito falou sobre a necessidade de liberação da maconha para fins medicinais

Margarete Brito falou sobre a necessidade de liberação da maconha para fins medicinais

“Maconha é remédio, e acesso a remédio é questão de saúde pública. Portanto, não pode ser considerado crime”, ressaltou Margarete. Ela explicou que procurou se informar mais a respeito das substâncias da cannabis sativa (nome científico da maconha). Atualmente, a advogada coordena a associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi). Desde então, ela vem lutando ao lado de outras mães de pacientes que sofrem com crises epiléticas e convulsões.

De acordo com Margarete, Sofia é portadora da Síndrome CDKL5, uma variante da síndrome Rett (doença causada por mutações no gene do cromossomo X). Desde que descobriu os efeitos terapêuticos da planta, ela vem promovendo o debate a fim de engajar o público nesta importante causa. A advogada argumentou que a substância possui excelente potencial para controle de convulsão, mas é proibida.

As variações da qualidade, no entanto, fizeram ela tomar uma decisão: cultivar a planta em casa, o que gera outro problema de ordem legal. “Plantar maconha para uso medicinal não é crime. Crime é a mora Legislativa que não regulamenta o uso medicinal da cannabis. Crime é a omissão do Estado que não cumpre as decisões judiciais que mandam fornecer remédios”, argumentou.

O médico Eduardo Faveret falou sobre os efeitos terapêuticos das substâncias encontradas na maconha

O médico Eduardo Faveret falou sobre os efeitos terapêuticos das substâncias encontradas na maconha

Segundo Margarete, a participação da mídia foi fundamental para ampliar o debate, o que proporcionou quatro conquistas para o grupo. A primeira foi em 2014, quando o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) ter autorizado a prescrição do canabidiol. Ainda em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta para todo o território nacional. A terceira ocnquista veio no ano passado, quando a Anvisa retirou o CBD da lista de proscritos e regulamenta a substância. Também no ano passado, a Agência regulatória passou a autorizar a prescrição de THC.

“Esperamos que a quinta conquista seja que Farmanguinhos produza extrato de cannabis e distribua (via SUS) para pacientes de epilepsia, dor crônica, câncer, parkinson, esclerose múltipla”, frisa a advogada.

Projeto Fio Cannabis – Representando o diretor Hayne Felipe, em compromissos institucionais em Brasília, Márcia Coronha disse que a Fiocruz está com um projeto especificamente voltado para estudos com cannabis. “Esse grupo multidisciplinar foi formado a partir de uma solicitação feita pelo próprio presidente Paulo Gadelha a fim de apoiar as ações A ideia do Fio Cannabis é apoiar a Apepi e a ABRA Cannabis (Associação Brasileira para Cannabis)”, explicou a pesquisadora Márcia Coronha.

Alessandra Viçosa, Margarete Brito, Márcia Coronha, Eduardo Faveret, Maria Behrens, David Tabak, Lauro Pontes e Karla Gram

Alessandra Viçosa, Margarete Brito, Márcia Coronha, Eduardo Faveret, Maria Behrens, David Tabak, Lauro Pontes e Karla Gram

O médico Eduardo Faveret apresentou casos de sucesso de pacientes que administraram não somente o canabidiol (CBD), como também o Delta 9 Tetrahidrocanabinol (THC). Dentre outros benefícios, Faveret informou que o canabidiol tem efeito anticonvulsionante em quase todos os modelos experimentais de crise. “Pode ser administrado por via oral, por meio de vaporização (a mais rápida), fumo, adesivo transdérmico, sublingual, supositório. Habitualmente é utilizado principalmente na forma de óleo ou pasta, que pode ser ingerido ou vaporizado”, explicou.

Segundo Faveret, o canabidiol é um fitoterápico com grande versatilidade terapêutica e segurança. “Incidem alguns poucos efeitos adversos, como sonolência, diarreia, vômitos e convulsões. O uso combinado do THC com canabidiol permite a associação dos efeitos terapêuticos com menos efeitos adversos”, destacou. No entanto, adverte que “o potencial terapêutico de tratar crises e comorbidade psiquiátrica necessita de estudos controlados”, conclui.

Margarete Brito exibiu o vídeo Estado de necessidade, de aproximadamente cinco minutos, que mostra a luta de mamães e papais de pacientes que necessitam das substâncias encontradas na maconha para terem uma qualidade de vida melhor. Após as duas apresentações, os palestrantes participaram de debate com o público presente.

Fotos: Edson Silva

Congresso discute inovação sob a ótica da sustentabilidade

Farmanguinhos reúne especialistas de diferentes segmentos no  1º Seminário Internacional das RedesFito: Inovação e Biodiversidade na Perspectiva da Sustentabilidade, no Rio de Janeiro


 

O desenvolvimento de um medicamento da biodiversidade é um processo longo e complexo, passando por inúmeras etapas. Além do fator relacionado à saúde, existem outras questões de cunho social e ambiental que devem ser consideradas. Com o objetivo de debater esses pontos, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) promoveu o 1º Seminário Internacional das RedesFito: Inovação e Biodiversidade na Perspectiva da Sustentabilidade, realizado de 19 a 21/10, no Rio de Janeiro.

Glauco Villas Bôas explica que as redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos nos diversos biomas brasileiros (Foto: Edson Silva)

Glauco Villas Bôas explica que as redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos nos diversos biomas brasileiros (Foto: Edson Silva)

Organizado pelo Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS) da unidade, o evento reuniu pesquisadores, estudantes, agricultores, representantes de indústrias, de universidades e da sociedade civil discutiram desenvolvimento sustentável, dinâmica da inovação e a criação de uma rede de inovação a partir da biodiversidade.

“A compreensão dos conceitos que envolvem a inovação em medicamentos da biodiversidade permite vislumbrar o potencial do Brasil em liderar as iniciativas de construção de um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos, pelo fato de ser um país megadiverso”, frisou o coordenador do NGBS, Glauco Villas Bôas. Diante dessa pluralidade, ele ressaltou a importância da criação das RedesFito, em 2009, visando ao trabalho integrado entre os diversos atores engajados neste processo que envolve promoção da saúde, ciência e tecnologia, além de desenvolvimento social.

“As redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos locais identificados nos diversos biomas brasileiros. É neste espaço compartilhado por pessoas ligadas às universidades, aos institutos de ciência e tecnologia, empresas, comunidades tradicionais, agricultura familiar, terceiro setor e governo que ocorre a geração do conhecimento que permite avançar na inovação em medicamentos da biodiversidade a partir de ações práticas desenhadas em projetos estruturantes”, explicou.

Representando a Diretoria, a vice-diretora de Ensino, Pesquisa e Inovação (VDEPI), Erika de Carvalho, ressaltou a necessidade de interação entre as diferentes esferas da sociedade. “Passamos por diversos percalços nos últimos anos em relação a problemas regulatórios, e muitas vezes deixavam nossos pesquisadores desmotivados, mas é preciso continuar, é preciso discutir”, salientou Erika.

“Hoje estamos dialogando sobre a importância de bioprodutos para a economia nacional. O setor empresarial, por sua vez, ainda tem muitas restrições por conta do alto risco no investimento nessas áreas. Sabemos que é muito complexo, é um caminho árduo para conseguirmos efetivamente um produto. Mas é preciso investir. É preciso dizer que o Brasil, apesar de tamanha biodiversidade, de tamanho avanço científico, só tem um único produto de origem vegetal. Quando comparamos as indústrias cosmética e farmacêutica, a de cosméticos tem tantos produtos de origem natural e pode ser uma inspiração para nós continuarmos”, salientou a vice-diretora.

François Chesnais é economista francês, professor emérito da Universidade Paris XIII

François Chesnais é economista francês, professor emérito da Universidade Paris XIII

Capitalismo e o impacto da crise econômica – O seminário contou com a presença de profissionais de todos as regiões do Brasil e foi enriquecido com a presença do teórico francês François Chesnais. Um crítico do sistema capitalista que, segundo ele, inventa necessidades de consumo que esgotam as riquezas naturais.

“Estamos caminhando para o abismo graças ao que o capitalismo criou. Há hoje excesso de produção, que só termina quando acumulação e produção estiverem completamente satisfeitas. No entanto, o capitalismo tem dificuldades de satisfazer essa duas condições”, criticou.

Chesnais frisou que a crise econômica, outrora restrita à Europa, desta vez é mundial e traz novas particularidades. “Ela se esgueira, é perigosa, aflige os ecossistemas. O esgotamento dos recursos naturais não renováveis, ou lentamente renováveis, vão propagar a crise e suas consequências para o desenvolvimento social”, alertou o economista.

Desenvolvimento em saúde – Há anos Farmanguinhos, por meio do NGBS, vem discutindo o enfrentamento dos desafios para se chegar a um medicamento com origem na biodiversidade brasileira, de modo que os mecanismos sejam ambientalmente sustentáveis e socialmente apropriados. Legislação mal elaborada, fragilidade regulatória e falta de estímulo industrial são alguns dos entraves, que ganharam o reforço da crise econômica.

Carlos Morel é coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz (Foto: Edson Silva)

Carlos Morel é coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz (Foto: Edson Silva)

Para o coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Carlos Morel, diante deste cenário, o trabalho integrado é o ideal. “Se não trabalhar em rede, terá poucas chances de avanço”, apontou. Com as intervenções atuais, ele afirma que a maioria das metas para a área da saúde não será alcançada. Em relação ao papel das RedesFito propondo iniciativas de desenvolvimento de medicamentos da biodiversidade, Morel faz um avaliação positiva, sem deixar de alertar para os desafios.

“Eu acho que vocês (RedesFito) estão no centro do debate muito importante. Vocês estão desenvolvendo saúde, estão tendo acesso a uma biodiversidade fantástica. A inovação é necessária. Estamos trabalhando numa área sensível, importante e prioritária. Mirem alto, porque inovação não é coisa simples, é algo custoso e, diante da crise financeira na qual o Brasil se encontra, é um desafio ainda maior. Mas é algo que vale a pena acreditar”, estimulou. “Neste momento, por exemplo, a fase 3 de um estudo com medicamento para tuberculose custa 70 milhões de dólares, que está sendo financiado em dez países”, concluiu.

A ausência de uma política voltada especificamente para o desenvolvimento industrial mais amigável ao ambiente foi também criticado pelo especialista José Eli Veiga, professor de Engenharia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP). “Sou muito crítico do caminho que o desenvolvimento brasileiro seguiu, principalmente nas últimas décadas. O que a gente fez no Brasil foi uma verdadeira calamidade. Um exemplo concreto é o apoio e subsídio às energias fósseis fundamentalmente através da manutenção do preço da gasolina”, observou.

Cristina Ropke (Phytobios) e Juan Revilla - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Este é um exemploi de como a indústria privada pode colaborar com a área pública (Foto: Alexandre Matos)

Cristina Ropke (Phytobios) e Juan Revilla – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Este é um exemploi de como a indústria privada pode colaborar com a área pública (Foto: Alexandre Matos)

Segundo ele, o esforço que foi feito ao longo do período mencionado para vender gasolina barata para a população enfraqueceu o Proálcool, programa nacional criado na década de 70 a fim de substituir em larga escala os combustíveis veiculares derivados de petróleo por álcool. “Quando veio o pré-sal, houve um total desnorteamento em relação à questão estratégica do país. A reserva de pré-sal era importante, mas para ser vista como uma reserva, não para ter como prioridade e destruir o pouco que estava caminhando em outras áreas. Essa política equivocada fechou inúmeras usinas que tinham começado a se desenvolver. Foi absolutamente errático”, assinalou.

 

 

Indústrias – De acordo com Morel, uma forma de avançar no desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal é o trabalho em parceria, de modo a integrar áreas de pesquisa e o setor industrial. Neste sentido, algumas indústrias parceiras também foram representadas no Seminário.

O espaço contou com a participação de instituições parceiras. Entre elas, o Instituo de Medicina Tradicional, localizado no Amazonas, e a empresa Phytobios. O evento teve o apoio do SENAI, Cristália, Globe Química, Nortec, Sourcetech, PVP e Seres Consultoria.

Casos de sucesso – O desenvolvimento de medicamento da biodiversidade está indiscutivelmente atrelado ao conhecimento tradicional. Neste caso, durante o encontro, foram apresentados dois projetos que vêm sendo executados com o apoio do NGBS: um no extremo sul da Bahia, e outro no município de Itapeva, no interior de São Paulo.

Sandra Magalhães Fraga apresentou o projeto Saúde popular e agroecologia, que engloba três municípios no extremo sul da Bahia (Foto: Alexandre Matos)

Sandra Magalhães Fraga apresentou o projeto Saúde popular e agroecologia, que engloba três municípios no extremo sul da Bahia (Foto: Alexandre Matos)

O projeto do estado nordestino tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento sócio ambiental e sanitário em nove comunidades agrícolas locais, visando a inserção de plantas medicinais em sistemas produtivos agroflorestais, bem como a estruturação de um monitoramento das condições de vida e saúde.

 

Saúde popular e agroecologia é um projeto com atividades em nove comunidades de três municípios da Bahia: Prado, Teixeira de Freitas e Alcobaça. Sete delas estão ligadas ao MST (Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra) e outras duas comunidades tradicionais”, explica Sandra Magalhães Fraga, bióloga da Plataforma Agroecológica em Fitomedicamentos de Farmanguinhos.

Patrícia Apolinário coordena a Cooplantas

Patrícia Apolinário coordena a Cooplantas (Foto: Edson Silva)

Ela explica que o conhecimento científico levado pela Fiocruz foi aliado ao saber tradicional dos moradores locais, denominados sábios guardiões do conhecimento. “É importante fortalecer esse conhecimento, uma vez que é preciso pensar na validade da matéria-prima, do desenvolvimento. Então, nós temos que agregar”, ressaltou.

No total desse processo de resgate e valorização do conhecimento popular, Sandra explicou que foram catalogadas 500 etnoespécies de plantas e 3 mil citações de usos. “Além disso, foram selecionadas 132 espécies que serão plantadas numa área demonstrativa da escola do conhecimento popular, que é um centro de formação local”, frisou. Segundo ela, a seleção foi feita pelos sábios guardiões do conhecimento (180) a partir de critérios como o tipo de plantas que eles gostariam de ter cultivadas em seus quintais, forma de uso, e para quais doenças elas servem.

 

Outro projeto de sucesso é o de Itapeva, no interior paulista. Patrícia Apolinário falou sobre as conquistas de sua cooperativa, que existe desde 1996, foi formalizada em 2009. Em 2012, passou a participar da parceria com as RedesFito para o cultivo de plantas medicinais.

Os franceses Christiane Gillon e Patrice Ville conduziram a Assembleia socioanalítica (Foto: Edson Silva)

Os franceses Christiane Gillon e Patrice Ville conduziram a Assembleia socioanalítica (Foto: Edson Silva)

“A Cooplantas é constituída por 32 mulheres que trabalham três dias por semana no campo, com produção, cultivo, processamento, além da parte administrativa. Atualmente, contribuímos com 14 espécies de plantas que serão dispensadas nas unidades básicas de saúde aqui da região. É objeto da segunda fase do projeto, que envolve a montagem da Farmácia Viva. Esta etapa já está sendo finalizada”, explicou Patrícia que é presidente da Cooplantas.

Assembleia socioanalítica – O último dia do encontro foi dedicado à realização da Assembleia Socioanalítica, conduzida pelos franceses Christiane Gillon e Patrice Ville. Nessa dinâmica, os participantes (palestrantes, organizadores e plateia) fazem suas colocações, sejam perguntas, dúvidas e reflexões a respeito dos temas que foram discutidos ao longo do seminário.

A Assembleia então é dividida em grupos com o objetivo de propor soluções para as questões mais relevantes, e que podem ser resolvidas imediatamente.

Estudante de Farmácia na Universidade Federal do Sul da Bahia, Kariny de Oliveira comemora a escolha de seu estudo para compor o número temático da Revista Fitos (Foto: Alexandre Matos)

Estudante de Farmácia na Universidade Federal do Sul da Bahia, Kariny de Oliveira comemora a escolha de seu estudo para compor o número temático da Revista Fitos (Foto: Alexandre Matos)

Na opinião de Patrícia Apolinário, por exemplo, o agricultor não está mais tão inserido à proposta de trabalho no campo como deveria. Os participantes, juntamente com os parceiros das RedesFito, vão buscar soluções para essa questão de extrema relevância para a manutenção do conhecimento, para a sustentabilidade ambiental e para a proposta de inovação.

Trabalhos científicos – Dos 34 trabalhos inscritos, 12 foram aprovados para apresentação em e-pôster durante os três dias de seminários. Eles serão publicados na Revista Fitos em um número temático sobre a Inovação e biodiversidade na perspectiva da sustentabilidadeConfira aqui os 12 estudos aprovados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Farmanguinhos na Semana Nacional de C&T

Com o tema Ciência alimentando o Brasil, a Unidade apresentará o projeto Horta pomar, implementado na creche Nise da Silveira, em Jacarepaguá

 


Começa nesta terça-feira (18/10), no campus Manguinhos, a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). O tema deste ano será Ciência alimentando o Brasil. Diante desta proposta, o Núcleo de Gestão Social (NGS) do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) participará com a exposição do projeto Horta Pomar na creche Nise da Silveira, em Jacarepaguá.

 

Os pequenos trabalham no cultivo de seu alimento. A foto mostra as crianças regando as hortaliças com material reciclado (Foto: Arquivo/Creche Nise da Silveira)

Os pequenos trabalham no cultivo de seu alimento. A foto mostra as crianças regando as hortaliças com material reciclado (Foto: Arquivo/Creche Nise da Silveira)

Segundo o coordenador da área, Jacob Portela, a iniciativa vai ao encontro da proposta trazida este ano na SNCT. “A ideia foi criar uma horta para estimular uma mudança de hábitos nas crianças, incentivando-as a terem uma alimentação balanceada e saudável, principalmente por estar livre de agrotóxicos. Além disso, valorizar a importância do homem do campo”, ressaltou Portela.

Ele disse que os parceiros foram fundamentais para que o projeto fosse implantado em 2011. Atualmente, está incluído no Programa Hortas Cariocas, portanto, respaldado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. “Hoje, a horta funciona plenamente e alimenta as crianças da creche”, comemorou.

Além da Secretaria de Meio Ambiente, o Horta Pomar conta com o apoio da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), da Associação de Moradores da Cidade de Deus e do Grupo Alfazendo – organização voltada para educação sócio-ambiental.

Desde cedo, as crianças da creche Nise da Silveira aprendem a cuidar da horta e a produzir seu próprio alimento (Foto: Arquivo/Creche Nise da Silveira)

Desde cedo, as crianças da creche Nise da Silveira aprendem a cuidar da horta e a produzir seu próprio alimento (Foto: Arquivo/Creche Nise da Silveira)

A abertura da SNCT na Fundação será nesta terça (18/10), às 9h, no auditório do Museu da Vida, no campus Manguinhos, com a mesa Geografia da Fome de Josué de Castro, 70 anos depois. Várias unidades da Fiocruz estão participando do evento, com atividades das mais diversas, em diferentes espaços do campus, especialmente no Salão de exposições do Museu da Vida da Casa de Oswaldo cruz (COC/Fiocruz).

 

Este ano, os organizadores estão preparando uma atividade especial para o sábado (22/10): o Piquenique científico. A ideia é fazer um piquenique de verdade, misturando gostosuras, lazer e conhecimento. Vai ter conversas sobre alimentação saudável, atrações musicais com temática alimentar, distribuição de frutas e de livros.

 

“Além de atrair o público em geral, gostaríamos também de envolver o público interno da Fiocruz. A ideia é ajudar a promover o nosso campus como um espaço de lazer no fim de semana, tanto para a comunidade externa quanto interna. Se der certo, pretendemos repetir a experiência”, disse Carla Almeida, do Núcleo de Estudos de Divulgação Científica do Museu da Vida.

 

 

 

 

 

 

snct_filipeta-piquenique-cientifico_faceb

Consórcio do Praziquantel Pediátrico lança novo sítio na internet

pzq-releaseFarmanguinhos integra a iniciativa que busca formulação do medicamento mais apropriada para as crianças

 

 

 

 


Com um novo sítio na internet, o Consórcio do Praziquantel Pediátrico é uma iniciativa conjunta internacional voltada para o desenvolvimento de uma formulação deste medicamento que seja mais adequada para as crianças menores de seis anos de idade. O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), por meio da Coordenação de Desenvolvimento Tecnológico (CDT), representa o Brasil nesse grupo. Escolhido para ser o responsável pela fabricação do medicamento, a Unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também participa das demais etapas do processo de desenvolvimento.

Segundo o pesquisador Daniel Lacerda, que coordena o projeto na unidade, foram realizados estudos clínicos de fase I, além de um estudo comparativo de sabor entre as formulações desenvolvidas e o comprimido comercial. Atualmente, o projeto se encontra em fase de preparação para iniciar os estudos clínicos de fase II. “A previsão é de que no final de 2017 seja feita a primeira solicitação de registro do medicamento junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil. Em paralelo, o Consórcio pretende pré-qualificar o produto na OMS (Organização Mundial da Saúde), a fim de facilitar o registro e distribuição do medicamento nos países africanos”, destaca.

O Praziquantel (PZQ) foi desenvolvido nos anos 70, mas até agora ainda não há uma formulação adequada para as crianças em idade pré-escolar. Sem tratamento, esta doença, relacionada à pobreza, principalmente pela falta de saneamento, pode levar à anemia, raquitismo, deficiência na capacidade de aprendizado e inflamação crônica dos órgãos. Esta pode ser fatal nos casos mais graves.

A Esquistossomose é considerada pela OMS a segunda principal doença parasitária e infecciosa, atrás apenas da malária. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, dos mais de 249 milhões portadores desta patologia em todo o mundo, metade é constituída por crianças, sendo 10% do total com idades pré-escolares (abaixo de seis anos). Apesar deste indicador, o único fármaco empregado na terapia contra a doença, o Praziquantel, não é adequado ao grupo infantil.

Parceiros – O Consórcio Praziquantel Pediátrico foi estabelecido em julho de 2012 como a primeira parceria público-privada internacional sem fins lucrativos relacionada à luta contra a esquistossomose, e apoiada por líderes especializados mundialmente em doenças infecciosas parasitárias tropicais. Patrocinado pela Fundação Bill & Melinda Gates e pelo Global Health Innovative Technology Fund (GHIT), o Consórcio visa desenvolver e fornecer a formulação.

De acordo com Lacerda, a escolha dos parceiros foi definida a partir da expertise de cada um. Farmanguinhos, por exemplo, foi convidado por ser especialista na fabricação de produtos farmacêuticos em países endêmicos. Conheça os demais parceiros e suas respectivas especialidades:

Merck KGaA (Darmstadt, Germany) – Especialista no praziquantel, fornecendo apoio pré-clínico, de fabricação e regulatório. Responsável pelo programa de desenvolvimento clínico e patrocinador dos estudos clínicos;

Astellas Pharma Inc. (Japan) – Especialista em estratégias inovadoras de formulação de medicamentos e fornecedor de conselhos especializados ao desenvolvimento clínico;

Swiss Tropical &Public Health Institute – Especialista no campo de estudos clínicos em países endêmicos, epidemiologia e descoberta de medicamento antiesquistossomose;

TI Pharma – Especialista na gestão de parcerias público-privadas na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos;

Simcyp – Especialista na modelagem farmacocinética.

 

Página 35 de 38