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Mais frutos do Mestrado Profissional de Farmanguinhos

Estudo aponta para a possibilidade de inovação farmacêutica para tratar deficiência de micronutrientes

A deficiência de micronutrientes demonstra ser ainda um problema de saúde pública em âmbito mundial. Apesar de o Brasil ter elaborado políticas públicas para mitigar o problema, alguns casos dessa absorção inadequada ainda são muito comuns no país. A carência de novos produtos pode ser uma oportunidade a ser considerada pelo setor farmacêutico, é o que aponta o estudo Micronutrientes: uma oportunidade de inovação para a Indústria Farmacêutica, realizado por Heros Teixeira Rabelo. Trata-se do tema da dissertação defendida em novembro no Mestrado Profissional em Gestão, Pesquisa e Desenvolvimento na Indústria Farmacêutica do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz).

A partir da esquerda: Marilena Correa, Paulo Bergo, Wanise Barroso, Heros Rabelo, Edmilson Migowski e Rafael Cisne de Paula (Foto: Arquivo)

A partir da esquerda: Marilena Correa, Paulo Bergo, Wanise Barroso, Heros Rabelo, Jorge Magalhães (por vídeo conferência), Edmilson Migowski e Rafael Cisne de Paula (Foto: Arquivo)

O estudo teve como objetivo apresentar os micronutrientes como uma alternativa atrativa de inovação para os Laboratórios Farmacêuticos. Dessa forma, foi realizada uma busca em diferentes bases de dados, tais como revistas indexadas, artigos nacionais e internacionais, guias específicos da área e de sociedades médicas, bem como documentos governamentais, publicações e legislações do setor público. O autor usou ainda documentos de um laboratório nacional privado.

Heros Rabelo foi orientado pela pesquisadora Wanise Barroso. A Banca de defesa contou com especialistas, tendo como avaliadores titulares os doutores Edimilson Ramos Migowski (professor adjunto, doutor e chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da UFRJ; e presidente do Instituto Vital Brazil); Paulo Bergo (docente do mestrado de Farmanguinhos); e Jorge Magalhães (coordenador e docente do curso).

“Também tivemos a honra da participação da defesa dos integrantes suplentes da banca, o Drº Rafael Cisne de Paula – diretor científico do IVB (Instituto Vital Brazil), e professor adjunto do Departamento de Morfologia da UFF (Universidade Federal Fluminense), e a Drª Marilena Correa (docente do Mestrado de Farmanguinhos e pesquisadora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)”, explicou Wanise Barroso. “Pelo fato de o Drº Jorge Magalhães estar em serviço em Portugal, devido a um projeto que envolve a Fiocruz e uma universidade portuguesa, ele utilizou o recurso de vídeo conferência pela primeira vez em uma defesa no mestrado de Farmanguinhos”, concluiu.

O estudo revela que os micronutrientes assumem funções metabólicas em humanos e sua deficiência despercebida, conhecida como fome oculta, pode provocar doenças ou disfunções. “Estima-se que esta deficiência aflija mais de 2 bilhões de pessoas no mundo. Estudos científicos publicados nos últimos anos demonstram que pode ser particularmente grave para gestantes, idosos e crianças, cujas necessidades nutricionais de alguns micronutrientes são inviáveis de se obter através de uma dieta normal”, disse Heros Rabelo.

Heros (primeiro plano) anota atentamente as observações do apontadas por Jorge Magalhães (Foto: Wanise Barroso)

Heros Rabelo (primeiro plano) anota atentamente as observações do apontadas por Jorge Magalhães (Foto: Wanise Barroso)

No Brasil, algumas iniciativas foram colocadas em prática para tratar esse problema de saúde pública, principalmente no que tange a alimentos. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, coordena as pesquisas em andamento sobre biofortificação de alimentos, para arroz, feijão, batata-doce, mandioca, milho, feijão-de-corda, trigo e abóbora.

De acordo com o autor, o setor farmacêutico é o mais inovador dentre todos os ramos industriais. No entanto, altos custos e dificuldades tecnológicas e regulatórias para inovações radicais têm levado as empresas do segmento a avaliarem oportunidades para inovar a partir de substâncias já conhecidas, tais como os micronutrientes. Essas substâncias são encontradas em forma de vitaminas em alimentos de diferentes origens, e até na luz solar.

Durante a realização do estudo, Rabelo constatou diversas oportunidades de inclusão de produtos no mercado. Alguns estão em fase final de desenvolvimento no laboratório onde atua como diretor de Marketing, com previsão de serem lançados dentro dos próximos seis meses.

“É importante lançar produtos inovadores utilizando-se micronutrientes em suas formulações como alternativa atraente para as indústrias farmacêuticas que desejam renovar seu portfólio de produtos. Essa alternativa é especialmente atraente para as que dispõem de recursos limitados para investimento em pesquisa e desenvolvimento”, assinalou Heros Rabelo.

 

PrEP e PEP

Reportagem da Revista Radis aborda a nova geração de estratégias para impedir a infecção pelo vírus HIV.

Por Bruno Dominguez – Radis

O mesmo mantra é repetido em campanhas desde o início da epidemia de aids: use camisinha. Mas o conhecimento nem sempre se traduziu em comportamento. Um exemplo: enquanto 94% dos brasileiros entre 15 e 64 anos concordavam que o preservativo era a melhor maneira de evitar a infecção pelo HIV, 45% não o adotaram em todas as relações sexuais casuais no período de um ano, segundo levantamento do Ministério da Saúde de 2013. Para superar os limites de uma forma única de prevenção, uma nova geração de estratégias que, combinadas, promete favorecer o controle de novos casos. Dentre elas, se destaca a PrEP, profilaxia pré-exposição, cuja incorporação ao SUS estava prevista para este 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids, mas que acabou adiada por decisão do governo.

prep-box“A PrEP é uma grande esperança na prevenção da aids, especialmente para as pessoas que têm dificuldade com outros métodos, como a camisinha”, avalia o antropólogo Richard Parker, diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). A PrEP se soma ao preservativo e à PEP, profilaxia pós-exposição – que, apesar de estar disponível no SUS para casos de exposição ao risco via sexo consentido desde 2012, ainda impõe barreiras como discriminação e falta de informação para quem busca acesso. Essa gama de opções complementares forma o que se chama de prevenção combinada. “A prevenção é como uma caixinha de ferramentas. Quanto mais numerosas forem as possibilidades na caixinha, melhor, pois cada pessoa pode decidir o que é mais adequado para ela em determinado momento”, compara Parker.

PrEP: esperança adiada – A esperança tinha prazo: até o fim de 2016, segundo promessa feita pela diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Adele Benzaken, durante a 21ª Conferência Internacional de Aids, em Durban (África do Sul), em julho. Mas a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), à qual caberia dar parecer favorável à adoção do método, decidiu em outubro aguardar aprovação do Truvada (nome comercial da combinação de tenofovir e entricitabina) para prevenção pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Atualmente, o medicamento está registrado apenas para tratamento (Radis 170).

“Queríamos dar essa boa notícia em 1º de dezembro, com o lançamento da PrEP no SUS, mas infelizmente a Conitec solicitou que aguardássemos a mudança de bula”, explicou à Radis a diretora Adele Benzaken, que disse ter pedido pessoalmente ao diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, a aceleração do processo. Segundo ela, Jarbas respondeu que iria “se empenhar nesse aspecto”. Como a Conitec entra em recesso nos meses de janeiro e fevereiro, a previsão agora é de que o protocolo de incorporação da PrEP ao SUS seja reapresentado em março.

Entre os especialistas ouvidos por Radis, avaliou-se que a Conitec poderia ter declarado interesse de saúde pública para o uso fora da bula (off-label) do Truvada — ou seja, o uso do medicamento para prevenção, apesar de estar aprovado pela Anvisa apenas para tratamento. O diretor-presidente da Abia questiona a vontade política do governo: “Há dois anos temos promessas dos diretores do Departamento de DST/aids, mas em um momento em que os princípios do SUS e da Constituição de 1988 estão ameaçados, com a PEC do Teto de Gastos, é incerto que haja esforço para adotar um método cujos custos são altos”.

Eficácia comprovada – Desde 2010 pesquisas vêm comprovando que o uso diário de um comprimido que combina os antirretrovirais tenofovir e emtricitabina é eficaz e seguro para proteger contra a infecção por HIV por via sexual. Entre homens que fazem sexo com homens e travestis, a eficácia pode chegar a 99% se a pessoa tomar a dose certa todo dia. Em 2014, a Organização Mundial da Saúde recomendou a profilaxia pré-exposição para pessoas em risco considerável de se infectarem com HIV. “É uma tecnologia com eficácia mais que constatada, para ser usada desde já”, pressiona Richard. Para ele, a PrEP deveria ser objeto de uma forte mobilização social, visto que é a grande novidade na prevenção de uma doença que tem 44 mil novos casos por ano no país.

Primeiro estudo demonstrativo no país, o PrEP Brasil avalia a aceitação, a viabilidade e a melhor forma de oferecer essa estratégia aos brasileiros, para embasar a decisão do Ministério da Saúde sobre sua incorporação. Coordenado pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fundação Oswaldo Cruz, envolve 700 voluntários de Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Manaus. Todos são acompanhados por equipe especializada de médicos, enfermeiros e psicólogos, têm acesso a aconselhamento para gerenciamento do risco de adquirir a infecção pelo HIV e passam por testes de HIV e de outras DSTs.

“Novas tecnologias podem ter impactos diferentes em cada contexto. É importante que a resposta para o SUS venha de dentro do nosso sistema de saúde, da nossa cultura, da nossa sociedade”, observa Valdilea Veloso, coordenadora do estudo. Os dados finais ainda não foram divulgados, mas a pesquisadora afirma à Radis que apontam, em todos os aspectos, para a relevância da oferta no país. “Estudos têm observado essa estratégia de diferentes posições, diria que quase em 360 graus, e até o momento essas perspectivas indicam unanimamente que a PrEP é viável e beneficia tanto a população-chave quanto a sociedade como um todo”.

Efeitos colaterais – O professor universário Wagner Araújo (nome fictício), de 36 anos, é participante de um dos estudos demonstrativos no Brasil. “Assim que vi um anúncio buscando voluntários, me inscrevi, porque sabia que, se funcionasse, seria muito importante para um mundo sem aids”, conta ele. A adaptação ao Truvada foi fácil, com poucos efeitos colaterais — gases, nos primeiros meses. O Iprex, primeira pesquisa a indicar a eficácia da profilaxia pré-exposição, concluiu que cerca de 16% dos usuários apresentaram algum tipo de efeito colateral. “É o que se chama de síndrome de início da profilaxia”, explica a coordenadora clínica do PrEP Brasil, Brenda Hoagland. “Náusea, enjoo, diarreia e gases são os sintomas mais comuns, mas tendem a desaparecer com menos de um mês de uso”. Segundo Brenda, a porcentagem de pessoas que relataram efeitos colaterais por aqui é “semelhante” — os dados oficiais ainda serão divulgados.

Para Wagner, o mais difícil mesmo foi se lembrar de tomar o medicamento diariamente. “Desenvolvi várias estratégias, botava alarme no celular, usava separador de comprimido que marca os dias da semana”, lista ele. Mesmo assim, em algumas ocasiões ele admite que se esqueceu do compromisso com a saúde. Enquanto testava a PrEP, Wagner diz não ter deixado de lado o sexo seguro: “Fiquei mais confiante de não me contaminar, mas nos aconselhamentos do estudo se martelava tanto a necessidade de se proteger que continuei a usar camisinha”.

Na conferência de Durban, a diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais afirmou que, “no primeiro ano, a PrEP estará disponível para 10 mil pessoas”. Que pessoas? Adele Benzaken responde à Radis que o foco será nas populações com “alta vulnerabilidade, conforme recomenda o protocolo da Organização Mundial da Saúde”. O novo protocolo de HIV da OMS ao qual ela se refere afirma que a PrEP deve ser considerada pelos países, em suas políticas públicas, como alternativa de prevenção voltada a grupos com “risco substancial de infecção pelo HIV”. Cada um, de acordo com a forma como a epidemia se manifesta, define quais grupos estão em “risco substancial”. O Brasil considera como populações-chave homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, gays, profissionais do sexo e pessoas que usam drogas.

PrPE pra quem? – Para participar do estudo PrEP Brasil, além de questões ligadas à orientação sexual, o candidato precisava preencher parte de uma série de critérios de comportamento sexual que favorecem a infecção: número de parcerias com sexo desprotegido, ocorrência de outras doenças sexualmente transmissíveis em um espaço de tempo e parceria identificada como soropositiva, entre outros. “PrEP não é para aquelas pessoas super preocupadas, paranoicas com prevenção, que usam camisinha, transam com um parceiro negativo, mas morrem de medo de se infectar”, exemplifica Valdilea. Do ponto de vista da boa aplicação do recurso público, diz ela, essas pessoas não são prioridade.

“A incorporação da profilaxia pré-exposição ao SUS só faz sentido, do ponto de vista do impacto na epidemia, se for para atingir as populações mais vulneráveis e diminuir as desigualdades de acesso ao cuidado com saúde”, argumenta. Pessoalmente, Valdilea afirma ser favorável à venda do Truvada (ou de um genérico) nas farmácias para aqueles que não se encaixam no conceito de população-chave, mas ressalta que é muito importante que a PrEP esteja disponível no SUS, sem custo, para as pessoas mais vulneráveis que assim desejarem, não só as mais pobres.

Richard Parker defende que a PrEP esteja disponível para quem quer: “Essa estratégia deveria estar disponível para todos que, com uma avaliação razoável, acham que é a forma de prevenção mais eficaz em determinado momento da vida”. A visão do diretor-presidente da Abia se baseia no conceito de “pedagogia da prevenção”, em que se oferece às pessoas as condições de decidir, dentre todas as opções preventivas, qual é a mais adequada. “O autoritarismo por parte dos especialistas é um dos causadores do fracasso da prevenção da aids. As pessoas não se comportam a partir da ordem dos outros, mas daquilo que elas consideram que é preciso”.

Custos X benefícios – De acordo com estimativa da Unitaid, agência ligada às Nações Unidas de financiamento em saúde, a combinação de medicamentos utilizada na PrEP poderá custar 100 dólares por usuário, anualmente, se aplicada em larga escala no Brasil. O INI também realizou estudo sobre a viabilidade econômica da profilaxia pré-exposição no país, comparando seus custos com as do tratamento de uma pessoa com HIV (que inclui exames, medicamentos e serviço de saúde pela vida inteira). “Concluímos que vale a pena, também do ponto de vista econômico, para o Ministério da Saúde incorporar a PrEP no pacote de prevenção combinada para a população-chave”, informa Valdilea.

Nos Estados Unidos, a PrEP já é oferecida, sob prescrição médica via seguros privados de saúde. “A profilaxia pré-exposição é hoje o carro chefe das estratégias de prevenção ao HIV por lá. Toda a esperança do programa americano de luta contra a aids está em cima dessa tecnologia”, observa Richard. O problema, segundo ele, é a exclusão de parte da população-chave: pessoas de comunidades mais pobres, marginalizadas, como jovens gays negros da periferia, têm dificuldade de acesso por não contarem com seguros de saúde. Outros países, como a França, tiveram incorporação limitada. “Se o Brasil adotar a PrEP nos próximos meses, será uma medida pioneira entre os países em desenvolvimento”, ressalta Valdilea.

Desinibição e DST – Uma preocupação comum é que os usuários deixem de usar a camisinha e, assim, tenham mais chance de contrair outras doenças sexualmente transmissíveis. O Brasil já registra uma epidemia de sífilis, doença infecciosa transmitida durante a relação sexual ou de mãe para filho, pelo sangue, durante a gravidez. Os casos saltaram de 1,2 mil para 65 mil em cinco anos e o principal motivo, segundo o ministério, é o sexo desprotegido, principalmente entre jovens e adolescentes.

“Devemos levar em conta que a PrEP é uma estratégia para quem já tem dificuldades com o preservativo. Não se trata de trocar o preservativo pelo medicamento da PrEP, e sim de oferecer proteção aos que não têm nenhum tipo de proteção”, argumenta Brenda. Nenhum estudo detectou aumento de outras DSTs, segundo a coordenadora clínica do PrEP Brasil, que credita o dado ao fato de o medicamento estar necessariamente associado à orientação profissional.

Para receber os comprimidos, os voluntários das pesquisas passam por testagem para HIV e hepatite B e sessões de aconselhamento. A assistente de pesquisa da Fiocruz Biancka Fernandes, voluntária do PrEP Brasil, relata que se cuida mais desde que começou a tomar o comprimido todo dia. “As mulheres transexuais têm muita dificuldade de acessar o sistema de saúde, porque é comum sofrer preconceito. Com esse acesso restrito ao serviço, muitas vezes falta conhecimento de onde o risco é maior e de todas as estratégias de prevenção”, diz.

Valdilea reforça que, quando adotada, a PrEP não deve ser uma intervenção isolada, mas parte da prevenção combinada. “A pessoa que se candidata a usar o medicamento vai ter acesso a testagem frequente, lubrificante, preservativo, vacinação contra hepatite B, acesso a uma equipe que vai conversar para entender sua vulnerabilidade e orientar sobre as formas de superá-la”.

Outra preocupação quando se fala de PrEP é com a “desinibição” dos usuários, que passariam a fazer mais sexo, com um maior número de parceiros. Nenhuma pesquisa identificou esse fenômeno. “Nos EUA chegou-se a criar a expressão ‘prostitutas da PrEP’, mas este julgamento moral é uma cortina de fumaça para encobrir as evidências científicas”, acredita Richard. Para ele, a visão de que se estaria bancando o prazer alheio é fruto de discriminação e estigma ainda associados ao HIV. “Existe uma corrente de pensamento que ainda culpa as pessoas vivendo com HIV, por seus ‘atos não pensados’ ou seu ‘comportamento de risco’, mas a prevenção também é um direito fundamental das pessoas digno do investimento público”.


 

PEP: direito desconhecido

A PEP, sigla em inglês para profilaxia pós-exposição, está disponível no SUS desde 2010 para os casos de relação sexual de risco desprotegida, mas grande parte dos brasileiros (e mesmo dos profissionais de saúde) não conhece essa estratégia. “As pessoas chegam aqui procurando esse serviço depois de terem passado por duas ou três unidades em que tiveram seu direito negado”, conta Valdilea Veloso, chefe substituta do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e HIV/aids do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). “Somente as que detêm mais conhecimento conseguem efetivamente ter acesso à PEP. As outras vão desistir no caminho”, corrobora a coordenadora clínica do PrEP Brasil, Brenda Hoagland.

Os medicamentos para barrar a infecção após a exposição sexual ocasional de risco são preferencialmente distribuídos nos CTAs, centros de testagem e aconselhamento especializados em doenças sexualmente transmissíveis. “Esses CTAs fecham nos fins de semana, e a pessoa que procura o PEP nesse período em outras unidades de saúde tem dificuldade de conseguir encontrar uma em que seja acolhida”, observa o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (USP), Mário Scheffer.

Corrida contra o relógio – O percurso em si já é uma corrida contra o relógio: o ideal é que os medicamentos sejam ministrados nas primeiras duas horas após a exposição ao risco; o protocolo do Ministério da Saúde indica o prazo de 72 horas como limite. “É um momento de angústia, não gosto nem de lembrar. Você sabe que está correndo risco e só quer tentar consertar”, relata uma pessoa que conseguiu acesso. São comuns os relatos de julgamento moral por parte dos profissionais de saúde, com frases como “Quem mandou fazer besteira?” ou “Você que procurou isso”.

“O protocolo clínico de profilaxia antirretroviral pós-exposição de risco para infecção pelo HIV foi atualizado em 2015 e simplificou os procedimentos para facilitar o acesso nos serviços de saúde”, informa a diretora do Departamento de DST/aids, Adele Benzaken. O documento deixa de fazer distinção entre os três tipos de PEP existentes — acidente ocupacional, violência sexual e relação sexual consentida.

Além disso, o departamento criou um aplicativo, o “PEP”, que tira dúvidas sobre a estratégia e indica onde procurar atendimento. O app é inspirado em outros dois desenvolvidos pela prefeitura de São Paulo: o PEPtec é voltado a auxiliar profissionais de saúde no atendimento de pacientes que passaram por situações com potencial risco de infecção pelo vírus; o Tá na Mão tem informações sobre prevenção ao HIV, uma calculadora de risco de infecção e uma busca por GPS dos endereços mais próximos onde a pessoa pode buscar esse tratamento.

Até maio deste ano, 12.611 brasileiros tiveram acesso aos medicamentos após exposição sexual, segundo o ministério. São 28 dias consecutivos de uso dos antirretrovirais tenofovir, lamivudina e atazanavir/ritonavir. Estudos indicaram baixas proporções de pessoas que completaram o curso completo de PEP. As taxas de abandono são especialmente altas entre adolescentes e também entre aqueles que sofreram violência sexual.


PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO (PEP)

A PEP é a utilização da medicação antirretroviral após qualquer situação em que exista o risco de contato com o vírus HIV. A medicação age impedindo que o vírus se estabeleça no organismo, por isso a importância de se iniciar esta profilaxia o mais rápido possível após o contato. A recomendação é em até 72 horas, sendo o tratamento mais eficaz se iniciado nas duas primeiras horas após a exposição.

Há indicação para as pessoas que podem ter tido contato com o vírus por violência sexual, relação sexual de risco desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha) ou acidente ocupacional (com instrumentos pérfuro-cortantes ou em contato direto com material biológico).

O tratamento deve ser seguido por 28 dias. Geralmente, consiste em uma pílula diária, mas pode ser preciso tomar mais de um medicamento por dia. Os efeitos colaterais mais comuns são dor de cabeça, enjoos e diarreia.

(Fontes: Unaids, PrEP Brasil e Ministério da Saúde)

 


TRATAMENTO COMO PREVENÇÃO (TASP)

O uso de medicamentos antirretrovirais faz com que as pessoas vivendo com HIV/aids alcancem a chamada “carga viral indetectável”. Além de ganharem uma melhora significativa na qualidade de vida, elas passam a ter uma chance muito menor de transmitir o vírus a outra pessoa. Estudo que deve ser concluído em 2017 já indicou que nenhum voluntário com carga viral indetectável — gay ou heterossexual — transmitiu o HIV ao parceiro sorodiscordante em um período de dois anos de análise.

No Brasil, todas as pessoas vivendo com HIV/aids têm direito ao tratamento com os antirretrovirais. Os medicamentos utilizados atualmente apresentam menos efeitos colaterais quando comparados com aqueles utilizados no início da epidemia.

(Fonte: Unaids e Ministério da Saúde)

 


Brasil perto da meta

O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids) estabeleceu, em 2014, três metas para acelerar a eliminação da epidemia de aids: 90% de todas as pessoas vivendo com HIV devem saber que têm o vírus, 90% de todas as pessoas com infecção pelo HIV diagnosticada devem receber terapia antirretroviral ininterruptamente e 90% de todas as pessoas recebendo terapia antirretroviral devem ter supressão viral. O prazo final é 2020.

“Estamos muito bem no que diz respeito ao diagnóstico e à carga viral indetectável, entretanto há ainda uma brecha no tratamento”, revela a diretora do Departamento de DST/aids, Adele Benzaken. Segundo dados da pasta, em 2015, do total de 830.000 pessoas vivendo com HIV, 87% já haviam sido diagnosticadas; deste número, 64% estavam em tratamento para o HIV; e, das pessoas em tratamento, cerca de 90% apresentavam carga viral indetectável.

O relatório que analisa o progresso global rumo ao cumprimento das metas 90-90-90 lançado pelo Unaids durante a 21ª Conferência Internacional de Aids cita o Brasil como exemplo de que os objetivos podem ser alcançados. Desde 2013, o SUS oferece antirretrovirais para todos os portadores de HIV, independentemente do estágio da doença — até então apenas França e Estados Unidos distribuíam os medicamentos para pacientes ainda sem comprometimento do sistema imunológico.

A Organização Mundial da Saúde recomendou ano passado que em todos os países as 37 milhões de pessoas que têm HIV devem ser postas imediatamente em tratamento antirretroviral. A terapia antirretroviral padrão consiste na combinação de fármacos antirretrovirais para suprimir o vírus HIV e parar a progressão da aids.

“Quanto mais precocemente uma pessoa inicia o tratamento, mais prolongada será sua vida”, ressalta Adele. Evidências demonstram que o tratamento iniciado mais cedo leva a uma melhor evolução da doença a médio e longo prazo, com menos complicações, menos infecções oportunistas e maior expectativa de vida, se comparadas com pessoas que começaram a se tratar tardiamente. Além disso, pessoas vivendo com HIV/aids em tratamento podem alcançar a carga viral indetectável e, assim, passam a ter uma chance muito menor de transmitir o vírus.

A epidemia no Brasil – Em 2014, a prevalência de HIV estimada para o Brasil em relatório do Unaids era de 0,4% a 0,7% em pessoas de 15 a 49 anos. Entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), essa prevalência sobe para 10,5% — segundo o Boletim Epidemiológico de HIV/aids de 2015. O boletim indicou que há uma tendência de aumento na proporção de casos de aids em HSH nos últimos dez anos.

Também foi notado o crescimento do número de casos na juventude (entre 15 e 24 anos). De 2005 a 2014, a taxa de detecção de aids entre brasileiros com 15 a 19 anos mais que triplicou (de 2,1 para 6,7 casos por 100 mil habitantes) e entre brasileiros de 20 a 24 anos, quase dobrou (de 16,0 para 30,3 casos por 100 mil habitantes). Outras populações vulneráveis são as que usam drogas e os profissionais do sexo.

O país tem uma das maiores coberturas de tratamento antirretroviral entre os de baixa e média renda, com mais da metade (64%) das pessoas vivendo com HIV sendo tratadas. A média global em 2015 foi de 46%, de acordo com dados compilados pelo Unaids.

 

Brasil registra queda na transmissão da Aids de mãe para filho

A taxa de detecção em menores de cinco anos caiu 36% nos últimos seis anos. Boletim epidemiológico indica que 827 mil pessoas vivam com HIV/Aids no país

Ministério da Saúde

A taxa de detecção de Aids em menores de cinco anos caiu 36% nos últimos seis anos, passando de 3,9 casos por 100 mil habitantes, em 2010, para 2,5 casos por 100 mil habitantes, em 2015. A taxa em crianças dessa faixa etária é usada como indicador para monitoramento da transmissão vertical do HIV. Os dados são do novo Boletim Epidemiológico de HIV e Aids de 2016, divulgado na quarta-feira (30/11) pelo Ministério da Saúde, por ocasião do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado nesta quinta-feira (1º/12). Na solenidade, realizada em Brasília, também foi lançada certificação para municípios que conseguirem eliminar a transmissão vertical.

“A redução de 36% na transmissão de mãe para filho foi possível graças a ampliação da testagem, que promovemos nos últimos anos, aliados ao reforço na oferta de medicamentos para as gestantes”, explicou o ministro Ricardo Barros.

Para incentivar o engajamento dos municípios no combate à transmissão vertical, o Ministério da Saúde está instituindo, com os estados, um selo de Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis no Brasil. Tendo como base uma adaptação de critérios já estabelecidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a certificação será concedida a municípios cujas taxas de detecção de Aids em menores de 5 anos sejam iguais ou inferiores que 0,3 para cada mil crianças nascidas vivas e proporção menor ou igual a 2% de crianças com até 18 meses. Serão certificados, prioritariamente, os municípios com mais de 100 mil habitantes. A certificação será emitida por um Comitê Nacional, em parceria com estados, que fará a verificação local dos parâmetros. Os municípios receberão certificação no ano que vem, no Dia Mundial de Luta contra Aids. A estratégia conta com o apoio da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância); Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids no Brasil) e OPAS.

A diretora do Unaids Brasil, Georgiana Braga-Orillard, elogiou a queda das taxas de transmissão vertical. “O caminho para o fim da epidemia, é o início da vida sem HIV e Aids. Os dados apresentados pelo Brasil na redução da transmissão vertical são parte do trabalho de enfrentamento da situação em todo o mundo”, observou a diretora da entidade, durante a solenidade de apresentação dos dados. Segundo ela, desde 2000 até hoje, a queda da transmissão vertical evitou a morte de 1,6 milhão de bebês, em todo o mundo.

De acordo com o novo boletim, 827 mil pessoas vivem com HIV/Aids. Outro dado expressivo que consta no novo Boletim é a queda 42,3% na mortalidade em 20 anos. O incentivo ao diagnóstico e ao início precoce do tratamento, antes mesmo do surgimento dos primeiros sintomas da doença, refletiram na redução dessas mortes. A taxa caiu de 9,7 óbitos por 100 mil habitantes, em 1995, para 5,6 óbitos por 100 mil habitantes em 2015. Os dados se referem ao ano de 2015.

A epidemia no Brasil está estabilizada, com taxa de detecção em torno de 19,1 casos, a cada 100 mil habitantes. Isso representa cerca de 41,1 mil casos novos ao ano. Desde o início da epidemia de Aids no Brasil (em 1980) até o final de 2015, foram registrados 827 mil pessoas que vivem com HIV e Aids. Desse total, 372 ainda não estão em tratamento, e, destas, 260 já sabem que estão infectadas. Além disso, 112 mil pessoas que vivem com HIV não sabem.

“Inserir essas pessoas nos serviços de saúde, por meio da testagem e do início imediato do tratamento, é a prioridade do ministério”, afirmou Ricardo Barros. Dessa forma, estaremos impactando diretamente epidemia, pois vamos reduzir a circulação do vírus entre a população, acrescentou.

Ainda segundo o boletim, a partir da implantação do tratamento para todos, em 2013, o número de pessoas infectadas e tratadas, subiu 38%. De 355 mil, em 2013, para 489 mil pessoas atualmente.

Desde o surgimento da Aids, o Brasil vem tomando posição de vanguarda na oferta de tratamento e assistência às pessoas que vivem com HIV/Aids. Em 2013, o Ministério implantou Novo Protocolo Clínico de Tratamento de Adultos com HIV e Aids, que disponibiliza o tratamento da infecção para todos. De janeiro a outubro de 2016, 34 mil novas pessoas com HIV e Aids entraram em tratamento pelo SUS. Atualmente, são 489 mil pessoas em tratamento.

Mudança de perfil – A epidemia tem se concentrado principalmente, entre populações vulneráveis e nos mais jovens. Os dados mostram uma mudança. Enquanto que em 2006, a razão entre os sexos era 1,0 caso em mulher para cada 1,2 casos em homem, em 2015, é de 1 caso em mulher para cada 3 casos em homens.

Além disso, os casos em mulheres tem apresentado queda em todas as faixas, em especial, na faixa de 25 a 29 anos. Em 2005, eram 32 casos por 100 mil habitantes. Em 2015, esse número foi de 16 casos por 100 mil habitantes. Já entre os jovens do sexo masculino, a infecção cresce em todas as faixas etárias. Entre jovens de 20 a 24, por exemplo, a taxa de detecção subiu de 16,2 casos por 100 mil habitantes, em 2005, para 33,1 casos em 2015.

Para a diretora do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, essa vulnerabilidade pode ser explicada por várias hipóteses, como o fato dos jovens não frequentarem os serviços de saúde e a própria negação de sua condição do soropositivos. A diretora também ressaltou a necessidade de criar formas inovadoras de comunicação com esse público, como a maior interação na redes sociais.

Um das principais ações nesse sentido é a chamada “prevenção combinada”, que oferece um cardápio de alternativas que vão muito além do uso do preservativo masculino (e feminino). Dentre as ofertas, estão a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), por exemplo – uma terapia antirretroviral de 28 dias para evitar a multiplicação do HIV no organismo de uma pessoa após sua exposição ao vírus –, está disponível em serviços de saúde de todo o país. Já a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), administrada antes da exposição ao HIV, está em fase final de estudos no Brasil, prometendo integrar o menu de opções de prevenção, oferecidas aos brasileiros pelo SUS.

90-90-90 – O Brasil tem avançado no controle da infecção, tendo alcançado melhoras significativas em todos os indicadores. O alcance das metas de 90% das pessoas testadas, 90% tratadas e 90% com carga viral indetectável até 2020, estabelecida pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), é um dos resultados mais expressivo das ações de combate ao HIV e Aids no país.

No diagnóstico, o Brasil passou de 80%, em 2012, para 87%, em 2015, o que equivale a 715 mil pessoas. A ampliação da testagem é uma das frentes da nova política de enfrentamento do HIV e Aids no país. Em 2015, foram realizados 8,5 milhões de testes. Os maiores incrementos foram observados na meta relacionada ao tratamento, que passou de 44%, em 2012, para 64%, em 2015, ou 455 mil pessoas. Na meta referente à redução da carga viral, o país passou de 75%, em 2012, para 90% em 2015, ou 410 mil pessoas.

Aumento da PEP  – O Ministério publicou um novo Protocolo Clinico de Diretrizes e Tratamento que simplifica os procedimentos para o uso de medicamentos antirretrovirais após exposição ao vírus do HIV. Publicada em agosto de 2015, o documento recomenda um esquema único de tratamento a todas as situações. Além disso, há também a redução do tempo de acompanhamento dos pacientes, que passa de seis para três meses. Todas essas mudanças fizeram com que o número de Profilaxia Pós Exposição (PEP) aumentasse em três vezes: passando de 7,9 mil tratamentos, em 2014, para mais de 23 tratamentos em 2016.

Oferta do Dolutegravir – Outro avanço é a oferta do Dolutegravir, considerado atualmente o melhor medicamento para tratamento da Aids, por apresentar uma série de vantagens como potência muito alta; nível muito baixo de eventos adversos; maior comodidade para o paciente: uma tomada diária; tratamento eficaz por mais tempo e menor aparecimento de vírus resistentes ao longo do tratamento. A substituição do atual “efavirenz”, para pacientes que iniciam terapia antirretroviral acontecerá no primeiro semestre de 2017 e a expectativa é atingir, inicialmente, 100 mil pacientes.

Envolvendo jovens – Como parte das comemorações do Dia Mundial de Luta contra a Aids, o Ministério da Saúde realiza o Talk Show Pergunta Aê. Transmitido ao vivo por meio das mídias sociais do Ministério da Saúde/Departamento das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, o evento no formato de talk show terá a participação de youtubers interagindo com os convidados especiais, que vão responder perguntas dos próprios youtubers, perguntas dos usuários on line e da plateia do Teatro Plinio Marcos (Sala Funarte).

 

Atenção aos pacientes que vivem com HIV/Aids

Farmanguinhos/Fiocruz produz mais de 150 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e desenvolve novas formulações especificamente para crianças

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O Dia Mundial de Luta Contra a Aids é celebrado em 1º de dezembro, a fim de chamar a atenção para esse problema de saúde pública. Parceiro estratégico do Ministério da Saúde, principalmente no que tange à assistência farmacêutica aos pacientes que vivem com HIV/Aids, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) produz sete dos 23 medicamentos que compõem o coquetel antiaids oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é de que, até o fim de 2016, sejam produzidas mais de 150 milhões de unidades farmacêuticas dessa categoria de medicamentos.

Para marcar a data, ao longo da semana, a Agência Fiocruz de Notícias apresentará um especial sobre o tema (clique na imagem acima para acessar a página). O objetivo é apresentar os estudos mais recentes e principais iniciativas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estarão em destaque, entre outros, o projeto A hora é agora, para implantação do auto teste de diagnóstico da Aids; uma análise sobre os 25 anos de reportagens no Dia Mundial da Luta contra a Aids; e um estudo sobre os aspectos sociais e históricos da epidemia de Aids no Amazonas.

Até o fim deste ano, Farmanguinhos deverá produzir mais de 150 mil unidades farmacêuticas de antirretrovirais (Foto: Edson Silva)

Até o fim deste ano, Farmanguinhos deverá produzir mais de 150 mil unidades farmacêuticas de antirretrovirais (Foto: Edson Silva)

Produção estratégica para o SUS – Farmanguinhos produz os antirretrovirais atazanavir, efavirenz, lamivudina, nevirapina, zidovudina, lamivudina+zidovudina e tenofovir+lamivudina.  Para ampliar sua lista desta categoria de medicamentos, a unidade participa ainda de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Uma delas é o triplivir, que reúne três fármacos em um único comprimido (tenofovir, lamivudina e efavirenz). Os acordos envolvem a produção do medicamento e a do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), principal substância, responsável pelo efeito terapêutico.

Além de ofertar produtos de primeira linha no Sistema Único de Saúde (SUS), outro objetivo da PDP é nacionalizar novas tecnologias e, com isso, fortalecer também a indústria farmoquímica nacional. No momento, a unidade aguarda o registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a fabricação.

Tratamento pediátrico – Além da produção, o Instituto trabalha no desenvolvimento de antirretrovirais pediátricos, atendendo a política da Organização Mundial da Saúde (OMS) de estimular formulações mais adequadas para as crianças. Dessa forma, um dos estudos usa nanotecnologia na elaboração do efavirenz. Trata-se de um comprimido com sabor mais agradável, que se dispersa em água para facilitar a ingestão pelas crianças.

Helvécio Rocha e Lívia Prado usam nanotecnologia no desenvolvimento do efavirenz dispersível em água (Foto: Edson Silva)

Helvécio Rocha e Lívia Prado usam nanotecnologia no desenvolvimento do efavirenz dispersível em água (Foto: Edson Silva)

Segundo o coordenador do estudo, Helvécio Rocha, já foram realizados testes prévios em cobaias na escala micrométrica (mil vezes maior do que a nano), comprovando a biodisponibilidade in vivo, ou seja, ficou confirmado que houve liberação da substância ativa no organismo. “Os resultados significam que uma menor dosagem poderia ser utilizada na formulação. No caso específico de crianças, é um benefício enorme, uma vez que poderia facilitar a fabricação de comprimidos menores, portanto, mais fáceis de serem deglutidos”, explica o pesquisador. A previsão é de que em dois anos comecem os testes em humanos.

De acordo com o Ministério da Saúde, a maior diferença entre antirretrovirais pediátricos e adultos está na apresentação farmacêutica, sendo líquidos para crianças de até seis anos de idade, e comprimidos para os demais pacientes. Sob este aspecto, outra importante vantagem é que a administração deste efavirenz é também mais fácil e segura do que as opções líquidas disponíveis, já que o comprimido é feito na dosagem exata para o tratamento, sem a necessidade de medir a quantidade a ser ingerida.

Símbolo da instituição, o Castelo da Fiocruz ficará iluminado de vermelho na primeira semana de dezembro, em alusão ao Dia Mundial de Luta contra a Aids, 1°/12 (foto: Peter Ilicciev)

Além disso, os pesquisadores da unidade desenvolvem ainda um antirretroviral que associa três princípios ativos em um único comprimido: lamivudina 30mg + zidovudina 60mg + nevirapina 50mg. O medicamento foi elaborado com uma formulação edulcorada, ou seja, de sabor agradável para disfarçar o gosto amargo dos três fármacos. Além disso, o comprimido deverá ser dissolvido em uma pequena quantidade de água a fim de facilitar a ingestão pelas crianças. No momento, estão sendo realizados estudos clínicos.

Cooperação internacional – O Brasil tem intensificado seus esforços na ajuda ao continente africano. Um exemplo desta iniciativa é a implantação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique, em ação conjunta de Farmanguinhos com a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Primeira instituição pública no setor farmacêutico do continente africano, a fábrica iniciou as operações em 2012, e produzirá 226 milhões de unidades de antirretrovirais por ano. Esta quantidade deverá beneficiar cerca de 2,7 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids em Moçambique.

Desde 2012, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos (Arquivo)

Desde 2012, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos (Foto: Arquivo)

Desde 2012, a SMM já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos. Está prevista a produção de antibióticos, antianêmicos, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios, hipoglicemiantes, diuréticos, antiparasitários e corticosteróides. A tecnologia para desenvolvimento e produção dos medicamentos será transferida gradualmente por Farmanguinhos à instituição moçambicana.

Todas essas ações reafirmam a missão de Farmanguinhos em atuar com responsabilidade socioambiental na promoção da saúde pública por meio da produção de medicamentos, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, geração e difusão de conhecimento.

 

 

Pesquisa de Farmanguinhos é capa de revista científica

Laboratório de Síntese de Fármacos cria moléculas híbridas contra a malária. Estudos podem representar novo horizonte para a indústria farmacêutica

O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) tem buscado novas soluções terapêuticas para combater antigos inimigos de saúde pública. O grupo de Síntese de Fármacos da unidade, coordenado pela farmacêutica Núbia Boechat, vem trabalhando no desenvolvimento de novas moléculas híbridas, isto é, contendo mais de um princípio ativo em sua estrutura. Um dos estudos demonstrou efeitos promissores contra a malária e, recentemente, os resultados foram publicados na Bioorganic & Medicinal Chemistry. Devido à sua importância, o trabalho ganhou a capa desse periódico científico.

Segundo Núbia Boechat, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de mais de um fármaco para tratar doenças infectocontagiosas. Porém, tal como ocorre no tratamento de Aids, a administração de coquetéis dificulta a adesão do paciente à terapia, já que é preciso tomar muitos comprimidos. “Por isto é que se tem investido nas formulações denominadas de Dose Fixa Combinada (DFC).  Isso diminui a possibilidade de resistência do parasito aos componentes, uma vez que o medicamento em DFC age em diferentes mecanismos de ação”, explica a pesquisadora.

 

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Parte da equipe da Síntese de Fármacos. A partir da esquerda: Flávia Fernandes da Silveira, Luiz Carlos da Silva Pinheiro, Maria de Lourdes Garcia Ferreira e Núbia Boechat (Foto: Peter Ilicciev – CCS/Fiocruz)

Apesar de ser considerado um avanço, o desenvolvimento de medicamentos em DFC é complexo. “É preciso usar dois fármacos numa única formulação, observando-se sempre a interação medicamentosa, bem como a biodisponibilidade dos componentes ao mesmo tempo. Em função disso, é também uma tecnologia farmacêutica mais complicada”, ressalta.

 

Como alternativa a essas formulações, Núbia argumenta que o desenvolvimento de moléculas híbridas, quem vêm sendo criadas pela equipe de Síntese de Fármacos, é uma evolução tecnológica na indústria farmacêutica. “Em vez de colocar dois fármacos distintos em um único comprimido, as moléculas já são criadas com os dois princípios ativos, que vão atuar em mecanismos de ação diferentes, ou seja, atacar dois alvos dentro do organismo”, explica.

Uso de estatinas – Em outro trabalho, após uma revisão da literatura científica, o grupo da Síntese constatou que a atorvastatina, uma das mais utilizadas estatinas para controlar o colesterol, tem também a função anti-inflamatória. A pesquisadora revela que a atorvastatina vem sendo testada como adjuvante no tratamento da malária cerebral, a forma mais severa da doença, associada a outros medicamentos antimaláricos.

“A partir dessa descoberta, criamos moléculas híbridas com atorvastatina e alguns antimaláricos. O resultado foi fantástico. Publicamos, então, um artigo no primeiro semestre deste ano, na versão Letters para garantirmos a descoberta. Agora, estamos nos aprofundando nos estudos dessas moléculas para alcançarmos mais resultados”, destaca.

Desde 2008, a área vem desenvolvendo várias moléculas híbridas especificamente para o tratamento de malária. Atualmente, os pesquisadores da Síntese trabalham com quatro fármacos para malária (artesunato, cloroquina, mefloquina e primaquina), com os quais são feitas modificações em suas estruturas.

Outro trabalho também publicado na Bioorganic é Síntese de novos derivados quinolínicos com potencial atividade contra Plasmodium falciparum. Neste caso, os pesquisadores de Farmanguinhos criaram moléculas híbridas com os princípios ativos sulfadoxina e cloroquina. “Os resultados têm sido satisfatórios, apresentando menos efeitos adversos”, ressalta Núbia Boechat, que coordena o grupo de pesquisa. As informações foram disponibilizados, em 2015, na Malaria Nexus, que é uma plataforma de conhecimento online, que capta e disponibiliza a especialistas todos os melhores trabalhos sobre esta doença negligenciada no mundo.

Núbia informa que o estudo mais avançado contra a malária é o Mefas, sigla para o sal híbrido contendo artesunato (AS) e mefloquina (MQ). “A partir do desenvolvimento do ASMQ (medicamento em dose fixa combinada), nós da Síntese de Fármacos fizemos uma molécula híbrida com os dois fármacos, que nós chamamos de Mefas. Atualmente o projeto está na fase de biodisponibilidade, na qual está sendo avaliada sua farmacocinética. Dependendo do resultado, gostaríamos de fazer os ensaios clínicos, eliminando as etapas anteriores, uma vez que ele é feito a partir de duas moléculas que já têm a toxicologia conhecida”, argumenta Núbia. Segundo ela, o sal híbrido tem produzido menos efeitos adversos do que o medicamento em DFC.

 

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