O Instituto amplia e moderniza área fabril com capacidade para 150 milhões de unidades farmacêuticas por ano. Além disso, investe em pesquisa e desenvolvimento de novas formulações
A tuberculose é um grave problema de saúde pública que afeta milhares de pessoas em todo o Brasil. De acordo com o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em março do ano passado, o país registrou 68.271 casos novos da enfermidade em 2021, o que equivale a um coeficiente de incidência de 32 por 100 mil habitantes. Diante dessa realidade, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) investe em pesquisa, desenvolvimento e ampliação de seu portfólio.
A unidade é o principal produtor de tuberculostáticos no país, com fornecimento de quatro medicamentos ao Sistema Único de Saúde (SUS): etionamida; isoniazida; isoniazida+rifampicina; e o 4 em 1, assim denominado por reunir em um único comprimido quatro princípios ativos (rifampicina+isoniazida+pirazinamida+etambutol). Confira o portfólio completo.
Além de abastecer a rede pública de saúde, Farmanguinhos vem trabalhando no desenvolvimento de novas formulações a fim de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Para se ter uma ideia da demanda nacional, neste primeiro trimestre de 2023, o Instituto forneceu quase 15 milhões de unidades farmacêuticas desses medicamentos ao Ministério da Saúde. A previsão é de entregar um total de mais de 80 milhões até dezembro, o que representa o dobro da quantidade enviada no ano passado.
Ampliação da produção – Neste sentido, para dar uma atenção ainda maior a essa crescente necessidade, no próximo mês, a instituição concluirá a nova área fabril voltada especificamente para produção de tuberculostáticos. Com total de 750 m2, a nova linha terá capacidade para produzir até 150 milhões de unidades farmacêuticas anualmente.
Segundo o diretor Jorge Mendonça, essa estrutura possibilitará a ampliação do portfólio e garantir o tratamento aos pacientes assistidos pelo SUS. A tuberculose é considerada uma doença negligenciada com poucos investimentos por parte da indústria privada para o desenvolvimento de novas terapias. Está incluída nos objetivos do desenvolvimento sustentável e da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, como uma das doenças a ser eliminadas até 2030. Neste cenário, Farmanguinhos promove esta ação importante para contribuir com essa meta e combater uma doença com alto índice de prevalência no Brasil, facilitando o acesso ao usuário do SUS e contribuindo para a diminuição da dependência do Brasil neste tipo de medicamento, ressalta o diretor.
Desenvolvimento – Além da produção e fornecimento, as áreas de pesquisa e desenvolvimento vêm trabalhando na descoberta de novas moléculas, investigando novas soluções terapêuticas e aplicando melhorias às formulações farmacêuticas existentes. O objetivo é oferecer tratamentos mais eficazes e com menos eventos adversos aos pacientes.
O portfólio de desenvolvimento tecnológico atual conta com oito projetos voltados para enfrentamento da tuberculose. Dentre eles, há formulações pediátricas e outras que reúnem diferentes princípios ativos em um único comprimido. A pesquisadora Juliana Johansson explica os benefícios a partir dessa estratégia que combina diferentes fármacos em um único medicamento, também denominado Dose Fixa Combinada (DFC).
“Quando se faz a escolha pela administração de comprimidos em uma dose fixa combinada há muitas vantagens para os pacientes. Por exemplo, a comodidade da posologia é um benefício importante, pois o paciente recebe em uma única tomada todos os fármacos necessários para o seu tratamento. Essa simplificação do esquema terapêutico promove uma maior adesão ao tratamento e reduz o risco de desenvolvimento de resistência dos microorganismos aos antibióticos utilizados. Além disso, do ponto de vista estratégico, a logística destas associações é muito mais simples. Ao invés de haver a produção e distribuição de diferentes medicamentos, o tratamento completo pode chegar ao paciente concentrado em uma única forma farmacêutica”, ressalta a pesquisadora.
Outro importante medicamento para a tuberculose em DFC é isoniazida+rifampicina (150mg+300mg). Foi totalmente desenvolvido internamente e obteve registro da Anvisa em 2021. Essa formulação é referência nacional, ou seja, qualquer laboratório que demonstre interesse em produzir, terá que seguir os parâmetros de Farmanguinhos.
A coordenadora de Desenvolvimento Tecnológico, Alessandra Esteves, explica que os laboratórios desenvolvem ainda outros importantes medicamentos, que ainda não possuem nenhuma aprovação pela agência reguladora brasileira (Anvisa), tais como isoniazida+rifampicina (75mg+150mg) e rifapentina 150 mg na apresentação comprimidos revestidos. Ela destaca que outra importante iniciativa é o desenvolvimento de formulações orodispersíveis, isto é, que se dissolvem na boca, direcionadas para as crianças.
“São formulações pediátricas, como é o caso da isoniazida+rifampicina (50+75mg). Este projeto busca, primeiramente, o alinhamento com a Anvisa sobre possíveis estratégias regulatórias para registro de medicamentos pediátricos no Brasil. Sendo bem-sucedida, abrirá portas para registro de novos produtos para este público no país. Nosso objetivo é desenvolver formulações mais adequadas para as crianças, neste caso, em comprimidos orodispersiveis”, avalia Alessandra Esteves.
Pesquisas inovadoras – O laboratório de Síntese de Fármacos da unidade conta com linhas de investigação de novos alvos terapêuticos a fim de ofertar tratamentos inovadores no SUS. Um dos estudos utiliza derivados da isoniazida objetivando resultados mais promissores e menos agressivos ao organismo.
Testes pré-clínicos mostraram que um dos novos derivados apresentou excelente biodisponibilidade, sendo altamente absorvido por via oral. Além disso, não apresentou toxicidade aguda, mesmo em doses elevadas. “Devido aos resultados animadores, o derivado seguirá na etapa de desenvolvimento e faremos ensaios mais avançados. Além disso, desenvolvemos um método otimizado de síntese pelos princípios da química verde, que aumentou o seu rendimento e diminuiu seu impacto ambiental”, explica o pesquisador Frederico Castelo Branco.
O especialista explica ainda que os derivados apresentaram o dobro da potência da isoniazida, e são mais potentes do que os demais fármacos de primeira escolha do tratamento da tuberculose. Essas substâncias foram fruto de patente nos Estados Unidos, Índia, China, Europa e no Brasil.
Outro Laboratório de Síntese da unidade, o de Substâncias no Combate a Doenças Tropicais (SSCDT), tem mais de 18 anos de estudos de novos alvos contra a tuberculose. A pesquisa desenvolvida pelo grupo é baseada na área da química medicinal com diferentes abordagens. Uma delas trabalha com novas rotas sintéticas para serem utilizadas em escala industrial para a produção dos fármacos disponíveis no mercado para essa patologia. Outra linha atua na obtenção de intermediários sintéticos de alto valor agregado obtidos em aumento de escala para a produção de outros fármacos candidatos a agentes anti-tuberculose.
“Outra abordagem bastante explorada por nosso grupo é a busca por novas substâncias não só para a tuberculose sensível, como também para a tuberculose resistente, que é um grave problema atual. Neste contexto, podemos destacar substâncias baseadas no núcleo quinolínico, que tem se mostrado uma classe muito promissora frente à doença”, ressalta Marcus Vinicius Nora de Souza, coordenador do Laboratório.
Esses resultados reiteram o carater estratégico de Farmanguinhos como protagonista na saúde pública brasileira por meio de sua atuação em todo o processo produtivo de um medicamento, da pesquisa aplicada, passando por desenvolvimento tecnológico, produção e fornecimento no Sistema Único de Saúde.
Sobre a doença – A tuberculose é uma doença infectocontagiosa que afeta principalmente os pulmões, mas pode acometer outros órgãos, como ossos, rins e meninges (membranas que envolvem o cérebro). O Dia Mundial de Combate à Tuberculose foi criado em 1982 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em homenagem aos 100 anos do anúncio do descobrimento do bacilo de Koch, causador da doença, ocorrido em 24 de março de 1882, pelo médico Robert Koch. É uma forma de aumentar a conscientização sobre as consequências devastadoras à saúde, bem como os impactos sociais e econômicos provocados pela doença, além de intensificar os esforços com o objetivo de acabar com essa epidemia global.