Em encontro virtual, no Dia Mundial de Luta Contra a Aids, a pesquisadora Monica Bastos apresentou os novos desenvolvimentos para a erradicação da doença
Em mais uma ação pelo Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado no dia 1º de dezembro, o Centro de Estudos de Farmanguinhos recebeu a pesquisadora Mônica Bastos, do Laboratório de Síntese de Fármacos (LASFAR) da unidade, para debater o tema “HIV/AIDS: Uma visão dos novos desenvolvimentos para a erradicação da doença”. O encontro virtual, mediado pela coordenadora do Departamento de Educação, Mariana Souza, e pelo pesquisador Frederico Castelo Branco, também do LASFAR, foi transmitido pelo canal da unidade no YouTube.
Antes de iniciar sua exposição, Mônica Bastos explicou a diferença entre o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), salientando que ter o vírus não é a mesma coisa que ter a doença.
“A pessoa pode estar vivendo com HIV e não estar com Aids. HIV é o vírus causador da enfermidade. Então, há indivíduos que estão contaminados pelo HIV, mas não desenvolvem a doença. Essa é uma das grandes problemáticas, porque essas pessoas não desenvolvem os sintomas, a doença propriamente dita, e elas estão contaminadas, infectadas, e transmitindo para outras. A Aids só surge quando o indivíduo desenvolve infecções oportunistas, que podem ser tuberculose, pneumonia, hepatites virais e sífilis, por exemplo”, explanou.
A palestrante fez um panorama sobre a doença no mundo, apresentando números de pessoas infectadas, a estimativa de novas infecções no ano, a região mais afetada pela doença, o índice de mortalidade, dentre outros dados.
Durante a exposição, Mônica ainda abordou a iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) para controlar a doença. Trata-se da “Meta 90-90-90”, uma estratégia que consistia em ter 90% da população mundial testada e diagnosticada, sendo 90% dessas pessoas em tratamento e 90% em tratamento em supressão viral. O único país que atingiu a meta foi a Inglaterra. O Brasil obteve 89% de pessoas diagnosticadas, 77% em tratamento e 94% em supressão viral, de acordo com dados do Ministério da Saúde em 2020.
Devido ao insucesso, a OMS estabeleceu uma nova meta para 2030: 95-95-95 em tratamento e reduzir o número de novas infecções em adultos, passando de 500 mil para 200 mil casos.
Como atingir a meta – Segundo a pesquisadora, um dos maiores entraves para o alcance está no tratamento. “No Brasil temos uma distribuição gratuita desses medicamentos pelo SUS, mas a realidade é outra no restante do mundo”, destacou.
Para combater a replicação e atingir a supressão viral, devido à complexidade do ciclo do HIV, é necessária uma combinação de fármacos que atuem em diferentes pontos. É isso que a terapia de antirretrovirais (ATR) atual oferece. Nesse sentido, Mônica apresentou os tratamentos vigentes.
“Hoje, o esquema preferencial é a associação entre as substâncias dolutegravir, lamivudina e tenofovir. Entretanto, nesta semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a combinação do dolutegravir com a lamivudina como novo esquema preferencial, tirando o tenofovir, que tem apresentado uma série de toxicidades para os rins. A previsão é que entre em vigor a partir do próximo ano. Também é administrada, especificamente para neonatos (crianças até 5 quilos), a combinação de zidovudina, lamivudina e raltegravir. A partir dessa idade, a OMS recomenda dolutegravir, lamivudina e abacavir”, informou a pesquisadora
Novos desenvolvimentos – Há vários fármacos em desenvolvimento e em fases distintas. A pesquisadora evidenciou as novidades que têm sido descritas, como os inibidores da gp120, do CD4, de Capsídeo e da proteína Rev, que faz o transporte do RNA mensageiro para o núcleo da célula.
“É muito importante que sejam desenvolvidos novos inibidores, com meios distintos, para serem adicionados na terapia por conta da possibilidade de ocasionar mecanismos de resistências advindos do uso da substância por um longo período”, alegou.
Mônica Bastos ainda reforçou que, apesar da pandemia, os estudos clínicos relacionados aos antirretrovirais não pararam, inclusive, com aprovações de trabalhos de substâncias que estavam em estágio avançado, reiterando a importância do tema. “No ano passado tivemos a aprovação do primeiro inibidor da gp120, o fostemsavir (FTR), que é um pró-fármaco, cujo ativo é o temsavir”, ressaltou.
De acordo com a pesquisadora, em 2018, foi aprovado o ibalizumabe, um inibidor de receptor de CD4 (anticorpos monoclonais). Nesta mesma linha, há outros estudos em andamento com previsão de serem aprovados em uma média de três anos.
Profilaxia Pré-exposição (PrEP) – Segundo a especialista, a maioria das ações desenvolvidas anualmente está relacionada à PrEP, indicada ao indivíduo soronegativo exposto à contaminação do HIV. Para essa profilaxia está disponível a combinação de entricitabina + tenofovir produzida por Farmanguinhos, que conta com outros oito antirretrovirais para enfrentamento de HIV/Aids. Clique aqui e confira todas as iniciativas do Instituto nesse segmento.
“Temos resultados positivos, como a redução da taxa de novas contaminações e a prevenção do HIV em grupos de risco. Entretanto, ainda há muitas questões a serem respondidas. No Brasil, por exemplo, nós distribuímos gratuitamente a PrEP e isso tem um custo. Imagina o investimento do Ministério da Saúde ao oferecer medicamento para um paciente que não está doente. Também há questões da resistência aos inibidores, apesar de ser muito discutido que isso não impactará no paciente que precise de tratamento caso seja contaminado futuramente, e do diagnóstico nas pessoas que fazem uso da PrEP e são contaminadas pelo vírus. São questões que ainda estão sendo respondidas, mesmo com o uso da PrEP em andamento”, salientou.
Novos sistemas de entregas de medicamentos – A especialista também apresentou alguns exemplos de tecnologia de entrega de fármacos em fases de desenvolvimento, pré-clínicos e clínicos, para o tratamento e prevenção de infecção pelo HIV, como implantes, injetáveis de ação prolongada, adesivos de microagulhas e anéis vaginais e anais, apontando as vantagens e as desvantagens de cada um.
Solução – A pesquisadora assinalou que o HIV possui inúmeros aspectos que o diferem de outros vírus que dificultam a execução de estratégias para a cura ou desenvolvimento de vacinas.
“O HIV tem uma taxa de mutação dez vezes maior do que o da Influenza e vinte vezes mais do que o SARS-coV-2, por exemplo. Além disso, no HIV, o alvo do vírus são os principais controladores do nosso sistema imune e ele se incorpora ao DNA, com um longo período de latência. Todas essas condições são barreiras que dificultam a cura e a encontrar uma vacina que seja efetivamente eficaz. Já tivemos muitas vacinas testadas, mas que não atingiram a eficácia mínima para serem disponibilizadas para a população. Então, apesar dos esforços, o HIV continua sendo um grave problema de saúde pública. A vacina segue sendo um desafio, novas formulações, opções de PrEP e sistema de liberação de fármacos estão sendo autorizados e o desenvolvimento de novos antirretrovirais ainda é a única alternativa para conter o aumento do número dos casos”, concluiu.
Ao final da apresentação, a palestrante interagiu com o público e respondeu as perguntas encaminhadas pelos participantes no chat.
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