Resultados preliminares demonstram melhora no sabor, personalização da dosagem e incremento de biodisponibilidade. Esses são alguns progressos obtidos por Janine Boniatti durante seu doutorado com a cooperação de universidades internacionais
Desenvolver uma nova formulação do medicamento praziquantel, utilizado no tratamento da esquistossomose, para ser administrada em crianças, e que pudesse contemplar melhoria na solubilidade e biodisponibilidade, mascaramento de sabor e personalização de dose. Essa foi a motivação da pesquisadora Janine Boniatti para a sua tese do doutorado em Vigilância Sanitária, pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). A investigação é baseada no projeto “Otimização do processo de obtenção, estudo de biodisponibilidade e sensorial de solução sólida amorfa a base de praziquantel para o uso em formulações pediátricas”, em que a servidora vinha participando no Laboratório de Farmacotécnica Experimental (LabFE), vinculado à Vice-diretoria de Educação, Pesquisa e Inovação (VDEPI), do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), unidade a qual está vinculada.
Dando continuidade a uma parceria iniciada em 2008 pela pesquisadora Alessandra Viçosa, coordenadora do LabFE), Janine realizou seu doutorado em cotutela sob a orientação da professora Maria Inês Ré, que atua na instituição francesa IMT Mines Albi e Plataforma Gala. Além de fazer parte do PROEP/CNPQ-FAR/FIOCRUZ, essa parceria também integra o programa Inova Fiocruz (Edital ideias Inovadoras), “Impressão 3D para inovação no desenvolvimento de medicamentos objetivando enfrentar os desafios globais de saúde com foco em populações pediátricas e geriátricas”, que tem como proposta a capacitação para o desenvolvimento de um medicamento por impressão 3D com foco em pediatria e geriatria. O projeto visa internalizar essa tecnologia na Fiocruz, por meio de uma imersão no assunto, contemplando cursos, congressos, dentre outras modalidades de ensino.
Neste sentido, a então doutoranda Janine Boniatti conseguiu avançar nos estudos, utilizar novas tecnologias e desenvolver uma formulação que pôde ser produzida (impressa) em uma impressora farmacêutica 3D. A dosagem pode ser personalizada de acordo com o perfil do paciente, favorecendo sua administração e a adesão ao tratamento. Esta etapa do trabalho foi viabilizada a partir de acordos de cooperação com universidades internacionais estabelecidas no decorrer deste período.
Nova abordagem – A parceria com a instituição francesa permitiu à pesquisadora de Farmanguinhos aprofundar seus conhecimentos na técnica de hot melt extrusion (HME) e diferentes abordagens para caracterização deste tipo de material. No IMT Mines Albi foi possível produzir mais de 30 lotes por HME e buscou-se compreender com maior profundidade o sistema da formulação que seria produzido.
“A partir dessa nova perspectiva compreendemos melhor as características do material extrusado que nos forneceu subsídios para otimizarmos a formulação que já trabalhávamos no Brasil, em parceria com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Foi uma quantidade de trabalho experimental bem extensa, já que fazíamos a caracterização completa a cada lote extrusado e análises dos dados. Isso nos permitia ir avaliando o material de forma científica, ajustando e otimizando para que pudéssemos chegar em características adequadas”, elucida.
Assim, a pesquisadora explica que o objetivo sempre foi desenvolver uma nova formulação para o tratamento da esquistossomose para crianças, que apresente maior eficácia e que facilite a adesão. “Atualmente, a administração do medicamento para crianças é feita através da quebra do comprimido para adultos de forma a otimizar a dosagem pediátrica. Essa prática causa a potencialização do gosto amargo característico desse princípio ativo, aumentando a probabilidade de recusa do paciente de engoli-lo. A proposta, então, era melhorar as características deste fármaco utilizando a associação das técnicas de HME e impressão 3D.”, esclarece.
Parcerias internacionais – Durante sua estadia na França, Janine submeteu um trabalho a um congresso na Suécia (11th EuPFI Conference). O estudo avaliava o sabor de três comprimidos pediátricos comerciais para doenças tropicais negligenciadas.
“Foram estudados comprimidos que são comercializados atualmente para os tratamentos de malária, Doença de chagas e esquistossomose. Estas amostras foram avaliadas com metodologias in vivo (animais) e in vitro (língua eletrônica). Os resultados indicaram características de sabor desagradável, demonstrando que isso pode ser um obstáculo para alcançar a eficácia terapêutica em pacientes pediátricos”, observa.
Dada a relevância do estudo, a pesquisadora foi premiada com o melhor pôster do evento, onde conheceu pessoalmente a professora Catherine Tuleu, que auxiliou na intermediação com o grupo de pesquisa da FabRx, uma startup da University College London (UCL na sigla em inglês) que é pioneira no desenvolvimento de impressoras farmacêuticas 3D. Trata-se de uma tecnologia bastante promissora para o segmento e que está em plena ascensão.
A pesquisadora passou 45 dias no laboratório de Londres utilizando a impressora 3D disponível no local para imprimir várias formulações que ela vinha desenvolvendo no doutorado na França. Em função dessa colaboração, foi possível obter os primeiros protótipos de comprimidos oriundos de impressão 3D (printlets) contendo o princípio ativo praziquantel. “Uma das possibilidades da impressão 3D é justamente a utilização do material oriundo do hot melt extrusion como finalização do processo”, destaca.
Janine também realizou estudos de palatabilidade in vitro, através de um sistema desenvolvido e publicado pela professora Catherine Tuleu (UCL), para testar o mascaramento do sabor desses printlets a fim de esconder o gosto desagradável.
“A professora tem uma metodologia diferente das que eu conhecia e havia usado no Brasil. É um aparato desenvolvido por ela que mimetiza a cavidade oral e utiliza saliva artificial para avaliação da liberação do ativo e predição do sabor. Eu gerava os printlets na UCL/FabRx e depois avaliava o mascaramento do sabor no laboratório da professora Catherine também na UCL. Pudemos constatar que houve uma grande melhoria em termos de sabor com os printles. Posteriormente, de volta a França, todas as caracterizações dos printlets foram realizadas no IMT Mines Albi e na Plataforma Gala, onde eu desenvolvia o doutorado”.
Para a pesquisadora essa vivência no exterior foi de extrema relevância.
“Realizar esses estudos com instituições estrangeiras de renome, usando tecnologias de vanguarda, foi uma grande oportunidade para mim e um enorme aprendizado que espero poder utilizar em Farmanguinhos. Além disso, foi possível fortalecer as parcerias para futuras cooperações, tão importantes para a saúde pública e ciência brasileira”, ressalta.
Artigo científico – Além do trabalho apresentado no EUPFI 2019 na Suécia que gerou a submissão de um artigo a revista AAPS Pharmscitech, Janine também recebeu a aprovação de um artigo em parceria com os professores da UCL submetido a revista Pharmaceutics referente ao trabalho de impressão 3D, parte de sua tese. Clique aqui para ler o artigo.
Perspectivas – A tese de Janine gerou grande conhecimento na produção de dispersões sólidas amorfas produzidas por HME, diversas técnicas e metodologias de caracterização deste tipo de material. Através da associação com a impressão 3D, conseguiu ampliar as possibilidades de inovação e utilizar a nova tecnologia como ferramenta para o desenvolvimento de medicamentos. De agora em diante, ela pretende publicar os demais resultados obtidos na sua tese e continuar atuando em projetos de desenvolvimento de formulações farmacêuticas. Além disso, com a perspectiva de ampliação de escopo da Plataforma 3D Fiocruz através da implementação da Plataforma de manufatura aditiva de Medicamentos e Insumos para Saúde (Plamedis) (de Farmanguinhos, a pesquisadora planeja explorar demais possibilidades com esta tecnologia que vem sendo amplamente discutida no âmbito farmacêutico. E isto será possível graças à chegada de uma impressora 3D farmacêutica ao LabFe viabilizada pelo Programa Inova/Fiocruz (Edital Equipamentos).
“Os estudos constataram a viabilidade de uma formulação de praziquantel por extrusão, já que o processo foi otimizado e as características do material dessa técnica foram compreendidas, informação que até o momento não se tinha, gerando uma riqueza de dados para o processo de hot melt extrusion. O objetivo agora é otimizar as formulações finais com dosagens pediátricas que possam ser administradas para diferentes faixas etárias de acordo com suas características específicas. Ou seja, será possível personalizar a dose a ser administrada. Isto é um avanço, pois não haverá mais a necessidade de quebra do comprimido, erros de dosagem, ineficácia do tratamento, desperdício de medicamentos e, ainda, haverá a redução de resíduos de medicamentos. Essa imersão francesa com foco em HME foi um grande passo para ampliação do conhecimento no desenvolvimento de formulações com esta tecnologia e espero que logo possamos encontrar a formulação ideal e eu consiga continuar contribuindo para Farmanguinhos”, avalia a pesquisadora.