Especialistas se reuniram no 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão) para discutir a Política Nacional de Atenção Básica: Desafios e Ameaças. Coordenada por Sandro Rogério Rodrigues Batista (Universidade Federal de Goiás), a mesa redonda contou com as presenças de Luiz Augusto Facchini (Universidade de Pelotas), Stephan Sperling – Universidade de São Paulo (USP) – e de Agleides Arichele Leal de Queirós, do Centro Brasileiro de Estudos De Saúde (Cebes-RJ).
Segundo os especialistas da mesa, a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), que restringe os recursos para a saúde pública pelos próximos 20 anos, significa o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS). Os palestrantes alertaram para o fato de que a atual Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) não atende as necessidades da população, isso porque, atualmente, há uma desuniversalização do Sistema Único de Saúde (SUS). “A universalização é seletiva e excludente”, frisa a expositora Agleides Leal.
Ela informa que os cortes de verbas para o setor culminaram com a demissão de muitos agentes comunitários de saúde em todo o país. Porém, essa redução não consta no sistema. “É criminoso retirar agente de saúde de comunidade ribeirinha ou de comunidade quilombola. Essa Emenda Constitucional é criminosa”, alerta a palestrante.
Nova regulamentação – Para mudar essa realidade, os especialistas propõem uma nova regulamentação para a Política Nacional de Atenção Básica. O médico Stephan Sperling explica que o SUS se pauta pela saúde e que esta é uma demanda das contradições sociais. Ele frisa que o sistema universal não deve ter uma responsabilidade apenas emergencial, como em casos de agravos de saúde e epidemiológicos. Mas deve ser um sistema de reparação de injustiças e contradições sociais históricas, pois essas impactam diretamente na rede pública de saúde.
“Um caso típico é a violência contra a mulher, e o sistema de saúde tem que fazer vigilância sobre esse fenômeno. Isso porque pode gerar uma demanda de saúde real a partir de um estupro, assim como por uma violência genital, por exemplo. Não é uma contradição epidemiológica, ou biológica. Portanto, não é uma pauta eminentemente do sistema de saúde, mas uma questão eminentemente social que impactará no sistema de saúde”, argumentou.
De acordo com Sperling, a PNAB deve avançar em vigilância sobre o território, e redefinir o papel dos agentes comunitários de saúde, não restringindo à marcação de consulta ou preenchimento de planilhas. “Precisamos avançar na regulamentação da PNAB, de modo que ela assuma que o modelo sanitário que nós temos, que seja um modelo de defesa da saúde, com todas as contradições bioepidemiológicas que há, é também uma defesa da dignidade e da vida humana”, assinalou.
Dentro desse modelo proposto, o especialista projeta uma atuação estratégica dos agentes de saúde. “As equipes de saúde da família territorializadas e alocadas nas comunidades, e nas clínicas da família, conseguem dar conta dos dois aspectos (saúde e social). Primeiramente, porque se trata de uma equipe assistencial que acolhe demandas e necessidades de saúde, mas que também devem atuar inseridas no seu território com vigilância dos fenômenos humanos que lá ocorrem, e não sequestrar para dentro do sistema de saúde pautas que são evidentemente sociais. Essas questões acabam gerando sobrediagnóstico e, consequentemente, sobremedicalização. São demandas que nos obrigam a fazer intervenções completamente desnecessárias”, observou Sperling.
O conferencista enumera algumas atividades prioritárias. Uma delas é a presença dos agentes comunitários sobre os territórios. Além disso, entender outros determinantes de doenças, abordar prevenção paternária; difundir entre a população temas como esperas permitidas para intervenções, estabelecer estratégias de monitoramento. “Dar um novo modelo de atenção clínica e de cuidado que se espera de uma política nacional que tenha unicidade do modelo de atenção”, concluiu.
Luiz Augusto Facchini, que já presidiu a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), endossou o discurso dos colegas de mesa. Ele ressaltou que, desde 2016, a cobertura de imunização no Brasil caiu para todas as vacinas. “Como resultado, temos o aumento da mortalidade infantil, surgimento do sarampo e aumento de casos de febre amarela”, exemplificou. “É preciso resistir, e é por isso que nossa rede criou um conjunto de ações, cujo documento entregaremos à Direção da Abrasco”, assinalou.