Farmanguinhos disponibiliza medicamento que cura em até três dias, e investe em pesquisas visando a novas formulações

Nesta quarta-feira (25/4), é celebrado o Dia Mundial da Malária, uma das principais doenças negligenciadas que, somente em 2016, levou cerca de 445 mil pessoas ao óbito em todo o mundo. No Brasil, os números são alarmantes: foram notificados 194 mil casos em 2017, crescimento de 50% em relação ao ano anterior. Diante deste cenário desafiador, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) atua com uma série de iniciativas para enfrentamento da enfermidade: oferece um medicamento capaz de curar em até três dias, o artesunato+mefloquina (ASMQ); possui uma lista de produtos especificamente para a patologia; e conta com grupos de pesquisa que elaboram novos estudos sobre o tema.

Totalmente desenvolvido por Farmanguinhos, o antimalárico Artesunato+Mefloquina (ASMQ) cura em até três dias (Foto: Alexandre Matos)

A partir desta quarta, a unidade recebe a visita de técnicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) com vistas à pré-qualificação do artesunato+mefloquina (ASMQ). O objetivo é disponibilizar o produto em países endêmicos da África a América Latina. Registrado no Brasil, o medicamento foi desenvolvido pelos pesquisadores do Instituto em parceria com a Iniciativa Medicamento para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em Inglês). Caso a OMS conceda a pré-qualificação a Farmanguinhos, o ASMQ poderá ser ofertado aos países afetados pela doença.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, em 2016, foram registrados 216 milhões de casos em todo o planeta. A área mais afetada é a região tropical do globo terrestre, que inclui países da África, Ásia e da América Latina. Desta forma, a OMS estabeleceu a data 25 de abril para chamar a atenção para esse grave problema de saúde pública global. O objetivo é reconhecer o empenho, controle mais eficaz da doença, bem como o aproveitamento e apoio das experiências bem-sucedidas.

Neste sentido, Farmanguinhos concentra uma série de esforços para combater essa patologia. Dentre as estratégias, a unidade dedica uma linha de medicamentos exclusivamente para tratamento da malária: cloroquina, primaquina e o composto ASMQ. A instituição investe ainda em pesquisas na busca por novas soluções terapêuticas.

Resposta inflamatória – O Laboratório de Farmacologia Aplicada da unidade, por exemplo, adota uma abordagem de combate diretamente no parasito. Além disso, o grupo de pesquisa, liderado pela pesquisadora Maria das Graças Henriques, estuda a resposta inflamatória presente no cérebro e pulmões durante a malária. Isto porque a literatura médica informa que muitos pacientes continuam doentes após o tratamento antimalárico, uma vez que a resposta inflamatória segue intensa.

A equipe de Síntese vem elaborando moléculas híbridas, que atuam com mais potência e oferece menos toxicidade (Foto: Alexandre Matos)

Diante disso, estudos desenvolvidos pela colaboradora Tatiana Pádua, orientados pelas pesquisadoras Maria das Graças Henriques e Mariana Souza, mostraram que o tratamento com a substância anti-inflamatória lipoxina diminui os danos cerebrais e pulmonares causados pela malária em animais.

Dada a sua importância, no fim de 2017, esse trabalho ganhou o Prêmio Anual IOC de Teses Alexandre Peixoto, como melhor tese do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O trabalho concorreu ainda ao Prêmio Nacional Capes-Interfarma de Inovação e Pesquisa. De acordo com as orientadoras, apesar de originais e promissores, esses resultados ainda são preliminares e, antes de iniciar os testes em humanos, novos estudos devem ser realizados a fim de garantir a segurança e a eficácia do uso da lipoxina como tratamento paralelo às terapias com antimaláricos.

 Mais potência e menos toxicidade – A OMS preconiza o uso de mais de um fármaco para tratar doenças infectocontagiosas, como a malária, por exemplo. No entanto, a administração de coquetéis dificulta a adesão do paciente à terapia, já que é preciso tomar muitos comprimidos. Deste modo, Farmanguinhos tem investido em dose fixa combinada, caso do ASMQ, e tem buscado também novas soluções terapêuticas para combater esse antigo inimigo da saúde pública.

O grupo de Síntese de Fármacos, por exemplo, coordenado pela pesquisadora Núbia Boechat, trabalha no desenvolvimento de novas moléculas híbridas, isto é, contendo mais de um princípio ativo em sua estrutura. Um dos estudos demonstrou efeitos promissores contra a malária. Trata-se do Mefas, sigla para o sal híbrido contendo Mefloquina e Artesunato. Os testes comprovaram que o Mefas é, pelo menos, cinco vezes mais potente e oferece menos toxicidade do que os fármacos de origem (usados isoladamente).

 

A Farmacologia Aplicada adota uma abordagem de combate diretamente no parasito (Foto: Alexandre Matos)

A mesma abordagem foi usada no desenvolvimento do Primas, outro híbrido a partir dos fármacos Artesunato e Primaquina. O objetivo foi minimizar a toxicidade deste último princípio ativo. Os estudos de eficácia mostraram que, assim como o Mefas, o Primas é mais ativo e menos tóxico do que os fármacos isolados.  “Em vez de pôr dois fármacos distintos em um único comprimido, as moléculas já são criadas com os dois princípios ativos, que atuarão em mecanismos de ação diferentes, ou seja, atacarão dois alvos no organismo”, explica Núbia Boechat.

Em outro trabalho, os cientistas da Síntese constataram que a Atorvastatina, uma das mais utilizadas estatinas para controlar o colesterol, tem também a função anti-inflamatória. Dessa forma, a substância vem sendo testada como adjuvante no tratamento da malária cerebral, a forma mais severa da doença, associada a outros medicamentos antimaláricos. A área elabora ainda outros estudos especificamente para enfrentamento da enfermidade. Todas essas descobertas têm sido publicadas em conceituadas revistas científicas, nas quais são descritas a síntese e a atividade de compostos promissores como candidatos a antimaláricos, de forma que seja possível vislumbrar a superação do ônus da resistência e a revolução do tratamento desta doença.

Deste modo, seja na oferta de medicamentos ou no investimento em pesquisas visando às novas terapias, Farmanguinhos vem cumprindo seu papel essencial para a saúde pública.

 

Colaboração: Mariana Souza e Luiz Pinheiro